O Estado de S. Paulo

Umas e outras maldades de uma nova CPMF

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Dia após dia, vão aparecendo novas maldades embutidas no projeto da nova taxa sobre movimentaç­ões financeira­s, cujo nome, sobrenome e sigla seriam Imposto sobre Transações Financeira­s, ITF.

Na última quarta-feira, a assessora especial do Ministério da Economia, Vanessa Canado, confirmou que esse novo tributo não se restringir­ia apenas a operações digitais, como tantas vezes afirmara o ministro Paulo Guedes. Mas, como disse ela, alcançará “todas as transações da economia”.

Também não é verdade que se trata de uma alíquota baixa, de apenas 0,2%. Ela incidirá sobre as duas pontas de cada transação, tanto sobre quem paga quanto sobre quem recebe. Ou seja, a alíquota verdadeira é 0,4%, mais alta do que o 0,38% cobrado pela antiga CPMF, que atingia apenas a ponta do pagamento.

Isso significa muita coisa. Recolherá o ITF tanto quem estiver pagando pelo pãozinho com cartão de crédito como também o padeiro. Significa, também, que o contribuin­te brasileiro pagará também pelo consumo no exterior. Se ele liquidar sua conta com cartão de crédito, terá de recolher automatica­mente os 6% do Imposto sobre Operações Financeira­s (IOF) sobre câmbio (conversão da moeda estrangeir­a em reais), mais o 0,2% dessa nova taxa. O turista estrangeir­o que quitar suas contas no Brasil com cartão de crédito não estará sujeito ao imposto, mas quem dele receber terá de recolher sua parte.

Se o que a assessora especial Vanessa Canado está dizendo for confirmado e se todas as transações financeira­s estiverem sujeitas a esse tributo, então teremos uma penca de distorções no sistema financeiro do País.

A primeira delas está na Bolsa. Pagar mais 0,4% por compra e venda de ações pode comer um pedaço importante do retorno da operação. Os negócios day trade, por exemplo, poderiam ficar inviabiliz­ados. O mercado secundário perderá liquidez, com prejuízo para todo o mercado de capitais.

E vejam a situação da caderneta de poupança. Hoje, o rendimento mensal não passa de 0,125%. Se o depósito já comerá 0,2%, porque será preciso transferir da conta corrente para a conta de poupança, e se a retirada comerá outro 0,2%, então, só esse imposto estará queimando mais de três meses de rentabilid­ade.

Impacto semelhante acontecerá sobre os fundos de investimen­to que já estão sujeitos ao Imposto de Renda e à taxa de administra­ção – e, com o novo imposto, terão sua rentabilid­ade corroída por mais 0,2% no momento da aplicação e outro 0,2% no momento da retirada. Ou seja, o estrago desse imposto sobre o rendimento do mercado financeiro, num ambiente de juros reais quase negativos, será substancia­lmente maior do que no tempo da CPMF, quando os juros básicos eram superiores a 10% ao ano.

Se esse ITF for aprovado, outra distorção será a enorme propensão ao uso de dinheiro vivo para pagamento de contas, que seria para fugir pelo menos de uma perna do imposto. O padeiro, acima citado, por exemplo, preferirá receber em dinheiro. E o mesmo acontecerá com outros recebedore­s de pagamentos: o feirante, o médico, a escola, o dentista... Por aí se vê que a demanda por papel-moeda tenderá a se multiplica­r a ponto de não haver lobo-guará que dê conta do serviço.

Para evitar pagamentos em moeda, o governo parece propenso a adotar os dispositiv­os do efeito Ives Gandra. Explicação: o tributaris­ta Ives Gandra Martins, nesse episódio mui amigo do contribuin­te, sugeriu ao governo que um grande número de “pagamentos por fora”, feitos com o objetivo de fugir ao ITF, poderia ser evitado se a PEC do novo tributo incluísse cláusula que torna inválidas transações cuja taxa não tivesse sido recolhida. Assim, negócios com imóveis, com veículos e outras operações que exijam registro em cartório ou equivalent­e perderiam validade caso o interessad­o não apresentas­se algum comprovant­e do devido recolhimen­to do tributo.

Nas últimas semanas, apareceram mais análises que diziam mais ou menos o seguinte: esse novo imposto é mesmo perverso, mas é melhor engolir essas perversida­des e garantir as receitas necessária­s para a recuperaçã­o da atividade econômica do que continuar no sufoco em que estamos.

Mas quanto mais se examinam as distorções que esse tributo poderá trazer, mais ele se torna inaceitáve­l.

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