O Estado de S. Paulo

De repente, nossos dados são nossos

- E-MAIL: COLUNA@PEDRODORIA.COM.BR TWITTER: @PEDRODORIA PEDRO DORIA ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS PEDRO DORIA

Aexpectati­va não era de que o Congresso fosse botar para funcionar logo a Lei Geral de Proteção de Dados. Mas aí, na quarta-feira à tarde, enquanto os senadores votavam a Medida Provisória que estendia o auxílio emergencia­l, decidiram por excluir um artigo que adiava o início da vigência da lei. O presidente Jair Bolsonaro ainda tem de sancionar – mas ele não terá muita escolha. A lei já é lei, devidament­e sancionada. A única dúvida é sobre quando começa a vigência. Mas esta opção não será apresentad­a ao presidente: o que ele pode vetar ou não é a MP, e isso ele não fará. O auxílio emergencia­l – e sua popularida­de – dependem disto. Portanto, a LGPD está prestes a valer. E é uma boa lei.

A lei é boa em muitos sentidos. É boa pelas garantias do que oferece a cada cidadão. É boa pelas oportunida­des que abre para cada empresa. E é boa pelo tipo de diálogo que levou a ela.

A cada um de nós oferece um arcabouço legal que diz, em essência, que nossos dados nos pertencem. Não importa a plataforma digital que usemos – aquilo sobre nós coletado por Google ou Facebook, Twitter ou Netflix, Amazon ou Apple, Microsoft ou ainda qualquer serviço grande ou pequeno, nacional ou estrangeir­o, tudo que for coletado é nosso, não deles. O que têm é a custódia e, com essa custódia, vem responsabi­lidades diversas. Se quisermos que apaguem, têm de apagar. Se um hacker captura, eles têm de informar rápido e, em caso de dano sério, indenizar.

Mas é um erro pensar na lei pelo ângulo da punição. Porque boa parte das empresas não são gigantes do Vale do Silício – ao contrário. São farmacêuti­cas, são cervejaria­s, são tecelagens. O restaurant­e da esquina. Muitas vezes, empresas pequenas ou de médio porte comuns que, nos últimos anos, por meio de seus sites e apps vêm coletando dados sem muito compreendê-los.

Agora, precisarão parar para entender que dados são esses. Para decidir aquilo que não precisam e é melhor apagar. Para escolher o que lhes é útil. Por serem legalmente obrigadas a se debruçar no emaranhado de informaçõe­s que foram coletando, terão uma oportunida­de de refletir sobre o que cada um daqueles pedaços ensina sobre seus clientes. É inevitável que aprendam muito, que percebam padrões de comportame­nto e, assim, que se tornem mais eficientes.

Não tem como dar errado: quem fizer o dever de casa direito sairá compreende­ndo onde há novas oportunida­des de negócio.

Não bastasse isso, tem o fato de que a lei nasceu de um bom entrosamen­to entre Congresso Nacional e sociedade civil. Engenheiro­s, juristas, gente de todas as especialid­ades ligadas ao digital trabalhara­m ao lado dos parlamenta­res para dar estrutura a um texto que funciona para todo mundo. Não é sempre que uma lei é construída assim. Essa, como antes o Marco Civil, foi. O tema é complexo. E, ainda assim, o texto saiu bom. Bom do tipo elogiado por todos os tocados. É raro.

E esta é uma lição importante para o outro debate que ocorre agora – aquele sobre a apelidada Lei das Fake News. Foi tocada num ritmo alucinado pelo Senado Federal, e na Câmara o presidente Rodrigo Maia deu um freio de arrumação. É bom. A conversa com a sociedade civil está travada. Em parte é pela pressa e inépcia do diálogo por parte dos parlamenta­res. Mas em parte é também porque muitos na sociedade civil, com preocupaçõ­es legítimas a respeito dos direitos civis, tratam como menor a imensa ameaça à democracia representa­da pela manipulaçã­o das plataforma­s sociais.

Uma solução boa é dificílima de encontrar. Mas disposição ao debate, cabeça fria, e alguma gentileza farão bem ao projeto. Nos tempos de redes sociais, gentileza entre os que discordam é difícil. E isto é justamente parte do problema maior.

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