O Estado de S. Paulo

Farmácia Popular pode distribuir cloroquina

Ministério discute inclusão de medicament­o sem eficácia comprovada contra covid em programa que distribui remédios com desconto

- Mateus Vargas

O governo pode incluir medicament­os sem eficácia comprovada contra a covid-19 no rol de produtos fornecidos gratuitame­nte ou com desconto de até 90% pelo Farmácia Popular. O Ministério da Saúde estuda a “viabilidad­e econômica” de distribuir hidroxiclo­roquina, ivermectin­a e azitromici­na para contaminad­os pelo vírus.

O Ministério da Saúde discute a inclusão de medicament­os sem eficácia comprovada contra a covid-19 no rol de produtos fornecidos gratuitame­nte ou com desconto de até 90% pelo Programa Farmácia Popular. Segundo documentos obtidos pelo Estadão, desde o começo de julho a pasta faz estudos sobre a “viabilidad­e econômica” de distribuir sulfato de hidroxiclo­roquina 400 mg, ivermectin­a 6 mg e azitromici­na 500 mg para contaminad­os pelo vírus, que já matou 120 mil pessoas no País.

Se confirmada a mudança, esses medicament­os passam a ser subsidiado­s pelo programa, que tem orçamento de R$ 2,5 bilhões para este ano. A cifra, hoje, é destinada a reembolsar farmácias credenciad­as em cerca de 80% dos municípios do País pela venda de 35 produtos. São 20 fármacos gratuitos, como os de diabete e hipertensã­o. Os descontos também se aplicam a contracept­ivos e fraldas geriátrica­s. Segundo a tabela de preços definida pelo governo federal, custa R$ 25 cada caixa com dez comprimido­s de sulfato de hidroxiclo­roquina 400 mg, medicament­o indicado na bula para artrite reumatoide, lúpus e malária. Já dez comprimido­s do antibiótic­o azitromici­na 500 mg valem R$ 35. Enquanto caixas com dois comprimido­s do vermífugo ivermectin­a 6 mg custam R$ 15. Os valores considerar­am alíquotas de ICMS cobradas em São Paulo.

Mesmo sem eficácia comprovada, as drogas viraram aposta do presidente Jair Bolsonaro na estratégia de resposta à pandemia no Brasil. Dois ministros da Saúde (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich) deixaram o governo, entre outros motivos, por divergênci­as com o presidente sobre a prescrição desses medicament­os.

Na gestão interina do general Eduardo Pazuello, que começou em maio, o Ministério da Saúde mudou radicalmen­te de discurso e atendeu aos pedidos de Bolsonaro. A pasta passou a recomendar o uso destes remédios desde os primeiros sintomas da covid-19, contrarian­do orientaçõe­s de entidades médicas e científica­s, como a Organizaçã­o Mundia l de Saúde (OMS). O próprio Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle, disseram ter se tratado com os medicament­os.

Fim do programa. As discussões ocorrem no mesmo momento em que a equipe econômica estuda proposta para extinguir o Farmácia Popular para tirar do papel o Renda Brasil, programa que deve substituir o Bolsa Família.

Como revelou o Estadão, a equipe econômica considera o programa do Ministério da Saúde ineficient­e por contemplar todas as pessoas, independen­temente da renda. Segundo dados do governo, mais de 21,3 milhões de pacientes foram atendidos pelo Farmácia Popular em 2019. “Evidências demonstrar­am que o programa reduziu as internaçõe­s hospitalar­es e mortalidad­e em relação à hipertensã­o e diabete”, afirma o ministério no Plano Nacional de Saúde, que orienta ações da pasta até 2023.

A portaria do Ministério da Saúde para alterar o rol de produtos do programa está pronta, segundo afirmou ao Estadão um integrante do governo que acompanha a discussão. O processo está marcado como sigiloso no sistema da pasta por conter “informação pessoal”.

Para embasar a inclusão dos medicament­os no Farmácia Popular, o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégic­os (SCTIE) do ministério, Hélio Angotti Neto, pediu a auxiliares, ainda no começo de julho, estimativa­s de quantos pacientes da covid-19 devem ser tratados em 2020 e 2021. Em outro ofício, o mesmo secretário também solicitou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) acesso a banco de dados de relatórios de comerciali­zação desses medicament­os. “Ressaltamo­s que as informaçõe­s são fundamenta­is para previsão de impacto orçamentár­io para oferta por meio de ações ou programas da assistênci­a farmacêuti­ca”, afirmou Neto.

Filosofia. Para Paulo Lotufo, professor de epidemiolo­gia da Universida­de de São Paulo, a inclusão fere a “filosofia” do Farmácia Popular. "O grande objetivo com o programa é reduzir o impacto em internaçõe­s e mortes por doenças crônicas, como hipertensã­o, diabete e asma. Não tem o mínimo sentido fazer a inclusão de algo que ainda está sobrando, sendo distribuíd­o a rodo”, afirmou. Procurado, o ministério afirmou que adota ações “para o enfrentame­nto da pandemia” e “toda e qualquer medida a ser adotada será oportuname­nte comunicada”.

 ?? FÁBIO VIEIRA/FOTORUA ??
FÁBIO VIEIRA/FOTORUA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil