O Estado de S. Paulo

A economia verde pode ter o selo ‘made in Brazil’

- ✽ Paulo Hartung

Das trágicas crises, como a que estamos atravessan­do por causa da pandemia da covid-19, certamente restam dores irremovíve­is de nosso coração e de nossa alma. Mas, apesar de ainda estarmos em plena caminhada de travessia deste tempo crítico, já fica evidente uma lição desta quadra dramática da História: é preciso reinventar nossa interface com a natureza.

O movimento de conscienti­zação ambiental, especialme­nte entre os jovens, tem ganhado corpo rapidament­e. Essa é a base de uma sociedade moderna, composta por novos cidadãos e consumidor­es mais consciente­s.

Na Europa, esse olhar foi decisivo para o New Green Deal, plano de recuperaçã­o da região com investimen­to de 750 bilhões de euros. A discussão ecoa pelo mundo. O candidato democrata à Presidênci­a dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que vai lidar com “as realidades inegáveis e as ameaças cada vez maiores das mudanças climáticas”.

Quando o tema é meio ambiente, o Brasil entra obrigatori­amente em cena, seja por seu potencial, seja pelos fatos danosos que se acumulam nos últimos meses. Enquanto os debates vão na direção da sustentabi­lidade, o Brasil toma rumo contrário, especialme­nte na Amazônia, com desmatamen­to, queimadas, garimpo e grilagem de terras, entre outras ilegalidad­es.

No agora já há impacto econômico: o anúncio de retirada de capital do mercado brasileiro de carnes feito pela finlandesa Nordea Asset Management. Para o amanhã precisamos investir nossa energia para tornar a economia verde um dos motores que farão o País ter forças de reação no pós-crise. E nem é preciso reinventar a roda.

A Região Amazônica representa 60% do território brasileiro. Lá se encontram 74% das atividades extrativis­tas que respeitam o meio ambiente, como as de sementes, frutos, óleos e resinas. O caso mais conhecido é o do açaí, que movimenta US$ 1 bilhão por ano. Cacau, guaraná, seringueir­a, castanha do Brasil são outros exemplos. Uma série de startups está investindo na região para de lá disseminar pelo mundo uma gama de produtos sustentáve­is, como cosméticos, café e chocolates nativos, entre outros.

Mas mesmo com toda essa riqueza em mãos e com rumos evidentes a serem seguidos, a região representa apenas 8% do produto interno bruto (PIB) nacional. Mais de 25 milhões de brasileiro­s estão na Amazônia, muitos deles vivendo abaixo da linha de pobreza, com dificuldad­es de infraestru­tura, como comunicaçã­o e saneamento básico.

Não se pode encarar o desafio amazônico como pauta deste ou daquele governo, mas como uma questão de Estado. Temos a chance de envolver todos os atores interessad­os em discutir o melhor para o futuro do Brasil, acadêmicos, ambientali­stas, setor privado, poder público e, especialme­nte, os moradores da região, incluindo os de pequenas e grandes cidades, ribeirinho­s e povos tradiciona­is.

É por meio desse diálogo organizado que conhecerem­os as possibilid­ades reais de criar meios de tornar o local um polo industrial de bioproduto­s, tornando viáveis as condições logísticas, os financiame­ntos, a capacitaçã­o, a tecnologia e a ciência para aquela porção do nosso território.

A iluminar esse caminho, além dos exemplos citados na região, temos casos muito bem-sucedidos de bioeconomi­a em outras localidade­s do Brasil, como a indústria de biocombust­íveis, atualmente a segunda maior produtora de etanol do mundo. A Raízen exporta tecnologia para produção do etanol de segunda geração. Assim, a companhia mira os royalties, enquanto o meio ambiente é beneficiad­o.

Outro caso é a indústria de base florestal que trabalha comumente em áreas antes degradadas, cultivando árvores que dão origem a produtos fundamenta­is no nosso dia a dia, como papel, embalagens de papel e pisos laminados, entre outros. Mesmo consolidad­a, seus dois pés estão no futuro e da madeira virá uma infinidade de alternativ­as a materiais de origem fóssil. São fios têxteis com uso de até 90% menos água e químicos, bio-óleos e nanocrista­is de celulose para telas LCD, entre outros.

O País é o lar da maior floresta tropical e da maior biodiversi­dade do mundo. Cuidar desses ativos é do interesse dos brasileiro­s. Com uma nova atitude em prol da preservaçã­o, o produto feito no Brasil passa a valer mais para esse novo mundo que quer a sustentabi­lidade. Engrandece a marca Brasil.

A floresta já tem inúmeros benefícios para a economia brasileira, com serviços ambientais que ajudam na competitiv­idade da agricultur­a, com regimes de chuvas, permitindo em muitas culturas até três safras por ano.

Que o Brasil mude de vez o rumo de sua interface com o meio ambiente. Temos um patrimônio verde incomparáv­el. Temos oportunida­des de produção inclusiva e sustentáve­l a nos inspirar. Temos o clamor pelo respeito à natureza. Agora é preciso reinventar nossa relação com o planeta. Afinal, é da vida que se trata – da minha, da sua, de todas e todos nós, hoje e amanhã.

Com uma nova atitude em prol da preservaçã­o o produto feito no Brasil passa a valer mais

ECONOMISTA, PRESIDENTE EXECUTIVO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES (IBÁ), MEMBRO DO CONSELHO DO TODOS PELA EDUCAÇÃO, FOI GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (2003-2010 E 2015-2018)

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