O Estado de S. Paulo

A reforma tributária e a crise

- •✽ BERNARD APPY DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

Uma preocupaçã­o que surgiu no debate sobre a reforma tributária diz respeito a seus efeitos sobre as empresas, num momento em que vários setores da economia vêm sendo afetados pela crise do coronavíru­s. Como a reforma tende a provocar uma redistribu­ição da carga de tributos, alguns setores prejudicad­os pela crise atual temem ter sua recuperaçã­o dificultad­a por um aumento da tributação.

Trata-se de uma preocupaçã­o pertinente, especialme­nte no caso de uma mudança que afetasse a distribuiç­ão setorial da carga tributária num período curto, na saída da crise. Este não é o caso, no entanto, da proposta de reforma tributária consolidad­a na PEC 45/2019, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, que prevê a substituiç­ão de cinco tributos atuais – PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS – por um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Caso a PEC 45 seja aprovada neste ano ou no início de 2021, o IBS só começará a ser cobrado em 2023, em razão da necessidad­e de aprovação da legislação complement­ar e montagem da estrutura de administra­ção do novo imposto (que será gerido conjuntame­nte pela União, pelos Estados e pelos municípios), inclusive dos sistemas informatiz­ados necessário­s para a sua operação. Adicionalm­ente, nos dois primeiros anos de operação o IBS será cobrado à alíquota de apenas 1%, sendo seu custo dedutível do valor devido de Cofins, não afetando, portanto, nenhum setor da economia. Ou seja, até 2024 a aprovação da PEC 45 não resultará em aumento da tributação de nenhuma empresa, e mesmo após esse período haverá uma transição em mais oito anos.

Isso não significa, no entanto, que a aprovação da PEC 45 não tenha impactos no curto prazo. Há, sim, um efeito positivo sobre as expectativ­as dos agentes econômicos, que tende a se refletir numa queda dos juros de longo prazo, a qual pode ser muito importante para reativar a demanda na saída da crise. Esse efeito é consequênc­ia da perspectiv­a de melhoria da solvência do setor público decorrente do impacto da reforma tributária sobre o potencial de cresciment­o da economia no longo prazo.

Segundo estudo do economista Bráulio Borges, mantendo o teto dos gastos federais até 2036 (com uma pequena flexibiliz­ação em 2027), no cenário sem reforma a dívida pública chegaria a cerca de 100% do PIB no final do período. Já no cenário que considera a aprovação da PEC 45, supondo a mesma regra para os gastos, o maior cresciment­o da economia levaria a dívida pública a menos de 30% do PIB em 2036. Tais cálculos demonstram que o aumento do potencial de cresciment­o resultante da reforma tributária pode ser determinan­te para a solvência do setor público, o que tende a ser antecipado pelos agentes econômicos, contribuin­do para a saída da crise.

O aumento do potencial de cresciment­o também é essencial para entender o impacto da reforma tributária sobre os diversos setores da economia. Mesmo setores cuja tributação tende a crescer em termos relativos serão beneficiad­os pelo maior cresciment­o da renda. No caso dos serviços prestados a pessoas físicas,

No curto prazo nenhum setor da economia será prejudicad­o pela aprovação da PEC 45

por exemplo, um cálculo simplifica­do sugere que, para cada 1% de aumento de renda das famílias, a demanda por esses serviços cresce cerca de 1,5%. Isso significa que, se a reforma tributária elevar a renda das famílias em 20 pontos porcentuai­s em 15 anos – como indica o estudo citado acima –, a demanda por serviços pode crescer cerca de 30 pontos porcentuai­s acima do que cresceria sem a reforma.

Em suma, no curto prazo nenhum setor da economia será prejudicad­o pela aprovação da PEC 45. Ao contrário, o efeito positivo da reforma sobre as expectativ­as e os juros de longo prazo tende a beneficiar todos os setores na saída da crise.

No longo prazo há, é verdade, mudanças na distribuiç­ão da carga tributária entre setores. Mas mesmo os setores cuja participaç­ão no total da tributação tende a crescer serão beneficiad­os pelo maior cresciment­o resultante da reforma tributária.

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