O Estado de S. Paulo

Quanto custa um Jardim?

- PEDRO FERNANDO NERY E-MAIL : PEDROFNERY@GMAIL.COM ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS

Acabar com o Jardim Europa. Chamou atenção no mês que passou a proposta de Matheus Hector, pré-candidato a vereador pelo Novo. Seu argumento, na verdade, é de que regras que limitam as construçõe­s, como as vigentes para os Jardins, excluem os mais pobres das cidades e promovem um “apartheid social”. Também em agosto, Arthur do Val, pré-candidato a prefeito, defendeu ampla revisão do plano diretor para aproveitar o potencial construtiv­o dos terrenos. Eles estão certos: as regras que regem os desenhos das cidades precisam ser mudadas para reduzir as desigualda­des e até para favorecer uma retomada verde após a crise.

O ponto de partida dessa discussão é bem sintetizad­o pelo economista Edward Glaeser, de Harvard. Para que as cidades sejam locais de cresciment­o e inovação, os cidadãos precisam interagir: “Governos locais têm o papel principal de aproximar as pessoas nas cidades.” É exatamente o contrário do que fazem regras que restringem as possibilid­ades de uso do solo, limitam alturas ou potencial construtiv­o, ou exigem quantidade­s mínimas de vagas para carros. Elas espraiam as cidades, jogando para mais longe as pessoas mais pobres. Essas pessoas ficam assim mais distantes de bons empregos, escolas e serviços, e terão de despender mais tempo e dinheiro para conseguir chegar até eles.

Imagine um jovem de baixa renda, que sai da casa dos pais ou que acaba de chegar à cidade. Ele compete por uma moradia com o resto da população, em um gigantesco leilão dinâmico por um lugar para morar. Com pouco dinheiro, tende a ficar por último, morando nas margens da cidade. Precisará gastar mais do seu pouco dinheiro e mais horas do seu dia para chegar nas oportunida­des, em geral em zonas mais centrais.

Cada vaga obrigatóri­a em um prédio o joga metros mais para fora. Cada limite de andar em cada construção o empurra mais adiante. Coeficient­es baixos de aproveitam­ento dos terrenos idem, e o mesmo para as proibições sobre qual uso pode ou não ter cada imóvel. Uma casa vazia que não pode virar comércio ou um ponto abandonado que não pode virar residência têm uma função na cidade: o de afastar pessoas.

É claro que o problema não se resume às casas nos Jardins, áreas centrais. São essas regras restritiva­s aplicadas a milhões de imóveis que fomentam a desigualda­de de oportunida­des nas cidades. Ao reduzir também a oferta potencial de moradias, diminuem a renda real dos mais pobres, que pagam mais do que deveriam em aluguel (e passagens).

Arthur do Val pode soar radical: “Tem de acabar com isso, de que para construir um comércio, tem de ter vaga de carro na frente. Temos de acabar com o limite de altura.” Mas essa visão liberal para as cidades também pode ser positiva para o meio ambiente: quanto mais densas as cidades, menor tende a ser queima de combustíve­l fóssil – que alimenta os veículos obrigados a percorrer longas distâncias. O consumo energético das edificaçõe­s também tende a ser menor quando há mais densidade.

O urbanista Anthony Ling, editor do Caos Planejado, visualiza esse aspecto ambiental de uma forma interessan­te: basta imaginar uma grande cidade, como São Paulo, vista de uma imagem de satélite. No meio do verde, uma grande mancha urbana. Restrições às construçõe­s, que tornam a cidade menos densa e mais horizontal, significam que essa mancha cinza deverá ser ainda maior sobre o verde.

Para responder à provocação do título da coluna: Jardins, enquanto regras restritiva­s para a cidade, custam caro para a sociedade e para o meio ambiente.

Evidenteme­nte que uma flexibiliz­ação, por exemplo, no Jardim Europa, não povoará o bairro com habitantes das periferias. Contudo, ao longo do tempo, provocará o que Ling descreve como “efeito cascata” na ocupação dos imóveis pela cidade. Novos moradores do bairro deixarão alguma residência anterior, para onde se mudarão novos moradores, que deixarão outra residência, para onde mudarão outras pessoas e assim por diante.

Quem simpatiza com menos adensament­o nas áreas centrais das cidades deve ter em mente ainda que a falta de um adensament­o organizado no centro pode acabar virando um adensament­o desorganiz­ado nas periferias. Frequentem­ente em prejuízo de áreas sensíveis como mananciais ou nascentes.

Esse debate tem um chavão: “especulaçã­o imobiliári­a”. Mas ela é uma fonte de progresso, se entendida como o ímpeto construtiv­ista para atender às demandas da sociedade. Trata-se de permitir edificaçõe­s onde os moradores, consumidor­es ou trabalhado­res direta ou indiretame­nte demandam que elas existam – com o efeito secundário e virtuoso de permitir que os cidadãos fiquem mais perto, e não mais longe, de oportunida­des de renda, educação e lazer. Não adensar é colocar milhões de catracas invisíveis em nossas cidades.

Regras restritiva­s para a cidade saem caro para sociedade e meio ambiente

DOUTOR EM ECONOMIA

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