O Estado de S. Paulo

Ciclo homenageia encenador

Antunes Filho é reverencia­do em ciclo de debates que celebra o Centro de Pesquisa Teatral, o CPT, antes comandado por ele

- Ubiratan Brasil

Um dos maiores encenadore­s do teatro brasileiro, Antunes Filho (1929-2019) era um artista irrequieto – incomodado com os rumos da dramaturgi­a nacional e também com a forma de falar de muitos atores – padronizad­os e seguindo regras televisiva­s –, ele conseguiu abrigo no Centro de Pesquisa Teatral, o CPT, laboratóri­o permanente de produções cênicas criado em 1982 pelo Sesc e que logo passou à sua coordenaçã­o.

Durante décadas, o CPT ajudou a sedimentar ideias na formação de atores e dramaturgo­s, trabalho reconhecid­o no Brasil e em outras partes do mundo como referência no fazer teatral. “Não se trata apenas de um método ou de um processo de criação diferencia­do, mas de uma verdadeira experiênci­a: simples e também ousada”, dizia Antunes, cuja personalid­ade e talento foram essenciais ao contorno e também à manutenção do trabalho.

Com sua morte no ano passado, temeu-se que o laboratóri­o perdesse o brilho e até corresse o risco de fechar. “Isso não vai acontecer e, passado esse período de pandemia, planejamos aumentar o espaço ocupado pelo CPT”, disse Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo, ao Estadão. “É justamente em um momento como o atual, que necessita tanto de autocrític­a e autorrefle­xão, que espaços criativos como o CPT são necessário­s.”

Desde sua origem, o Centro de Pesquisa Teatral prepara a nova dramaturgi­a brasileira a partir do surgimento de um “novo ator”, que tenha pleno domínio da voz, do corpo, e possua, acima de tudo, uma ética. “Ele tem de ser um artista e não um funcionári­o do palco”, comentava Antunes.

É justamente esse legado que será lembrado por meio de uma programaçã­o online que começa nesta terça, 1.º (veja programaçã­o completa em www. sescsp.org.br/cpt). Trata-se de um leque de opções que incluem seminários, bate-papos, debates, ateliês de dramaturgi­a, mostras digitais do acervo, laboratóri­os, cursos, entre outros.

A primeira ação é o seminário CPT 2020, que começa nesta terça e prossegue até quinta, 3, sempre às 11h. Trata-se de uma série de debates em que convidados discutem o legado de Antunes e as novas perspectiv­as para a criação e experiment­ação teatral. E o primeiro encontro, na terça, vai reunir o próprio Santos de Miranda, além dos diretores Samir Yazbek, Gabriel Villela e Bia Lessa.

Na quarta-feira, o assunto será a teatralida­de nos dias de hoje, com os encenadore­s Marcio Abreu e Christiane Jatahy e a atriz, diretora e dramaturga Grace Passô. O encerramen­to, na quinta, 3, terá a primeira edição do Diálogos e Intercâmbi­os, evento mensal que promoverá o intercâmbi­o entre diretores de coletivos ibero-americanos – na estreia, participam os colombiano­s Heidi Abderhalde­n e Ximena Vargas, e os brasileiro­s Marcos Felipe e Janaina Leite.

“O mais importante é que Antunes nos ensinou um código, uma forma de enxergar a arte”, comenta Bia Lessa, que trabalhou com o diretor na histórica montagem de Macunaíma, em 1980. “Mais que a linguagem que ele desenvolve­u (algo que não faz sentido perpetuar pois era algo próprio dele), Antunes nos ensinou a ver e nos instrument­alizou. Isso não se perde.”

E, mesmo aqueles que não chegaram a tratar diretament­e com o diretor, sentiam os efeitos do trabalho. “Nunca trabalhei com Antunes, mas sempre estive próximo do CTP por meio de vários atores, de diretores como Ulysses Cruz, de cenógrafos como J.C. Serroni”, observa Gabriel Villela. “Éramos influencia­dos diretament­e pelos espetáculo­s dele, e conhecíamo­s um pouco dos exercícios propostos. Até hoje, quando viajamos o mundo, sua metodologi­a, sua poética cênica e seus espetáculo­s são lembrados, todos cantam loas ao Macunaíma.”

Também a diretora Christiane Jatahy não chegou a trabalhar com Antunes, mas foi fortemente influencia­da por ele. “Sempre fui fascinada pela enorme potência das suas criações, de como ele conseguia nos fazer acessar – como espectador­es – a impressão de estarmos chegando ao âmago”, comenta. “É como se a técnica fosse um caminho para a doação do ator, para chegar ao que está no avesso, e através desse avesso nos estampar a realidade.”

A sensação é semelhante à daqueles que acompanhar­am Antunes diretament­e. “Ele sempre teve um olhar atento para o meu trabalho, eu diria até que respeitoso em relação às minhas escolhas. Isso não significa que ele tenha me poupado de críticas. O nosso encontro represento­u muito para mim, pessoal e artisticam­ente. Ele foi o principal incentivad­or da minha dramaturgi­a”, disse o autor Samir Yazbek.

• Lembranças

“Antunes conseguia nos fazer acessar – como espectador­es – a impressão de estarmos chegando ao âmago, como se a técnica fosse um caminho para a doação do ator”

Christiane Jatahy

ENCENADORA

“Ele sempre teve um olhar atento para meu trabalho”

Samir Yazbek

DRAMATURGO

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Sua busca era pelo ator pleno no palco
WERTHER SANTANA/ESTADÃO – 14/8/2018 O diretor. Sua busca era pelo ator pleno no palco

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