O Estado de S. Paulo

Trump ataca autor a quem falou de vírus

Presidente diz que, se as declaraçõe­s que deu – reconhecen­do que minimizou o vírus – eram tão importante­s, Bob Woodward deveria tê-las divulgado antes; alvo de críticas, repórter alega que precisava de tempo para entender e contextual­izar as conversas ent

- WASHINGTON

Donald Trump criticou ontem o jornalista Bob Woodward, a quem em fevereiro salientou a letalidade da covid-19. Em público, Trump minimiza a pandemia.

Donald Trump atacou ontem o jornalista Bob Woodward, do Washington Post, que na quarta-feira divulgou gravações de entrevista­s com o presidente nas quais Trump afirma que minimizou de propósito os riscos do vírus para não provocar pânico na população. O presidente disse ontem que, se as declaraçõe­s fossem realmente prejudicia­is, Woodward as teria revelado bem antes.

De todas as respostas que deu a Woodward, as duas mais compromete­doras foram em 7 de fevereiro, quando Trump reconhece que o vírus era mais letal que a gripe comum – quando em público ele dizia o contrário – e em 19 de março, quando o presidente afirma que minimizava a pandemia de propósito. “Sempre quis minimizar sua importânci­a. Ainda gosto de minimizar, porque não quero criar pânico”, disse Trump na conversa.

Com mais de 6,5 milhões de infectados e 190 mil mortos por covid-19, Trump vem sendo criticado pela resposta ineficaz à crise sanitária, considerad­a por muitos analistas como a principal razão de ele estar atrás do democrata Joe Biden em quase todas as pesquisas sobre as eleições de novembro. As conversas com Woodward reforçam a imagem de um presidente que sabia dos riscos, mas escondeu as informaçõe­s do público.

Criticado pelos democratas, Trump passou boa parte do dia de ontem atacando o jornalista. “Bob Woodward manteve minhas declaraçõe­s por vários meses”, escreveu Trump no Twitter. “Se você pensava que elas eram tão ruins ou perigosas, por que não relatou imediatame­nte em um esforço para salvar vidas? Você não tinha a obrigação de fazer isso? Não, porque você sabia que eram respostas boas e adequadas.”

As gravações foram feitas para o livro Rage (“Fúria”), sobre os bastidores da presidênci­a, que será lançado neste mês. Trump concedeu a Woodward 18 entrevista­s entre dezembro de 2019 e julho de 2020, por telefone e pessoalmen­te. As conversas foram gravadas com a autorizaçã­o do presidente, que sabia que o conteúdo entraria no livro.

Woodward se tornou conhecido por ter revelado o escândalo Watergate, nos anos 70, ao lado de Carl Bernstein – ambos trabalhava­m para o Washington Post. Com o passar dos anos, ele se tornou uma grife respeitada nos EUA, com livros publicados a respeito de vários presidente­s.

Em 2018, Woodward escreveu Fear: Trump in the White House (“Medo: Trump na Casa Branca”), um relato sobre os bastidores da Casa Branca com o depoimento de pessoas próximas do presidente que o descreviam como um homem inculto, raivoso, imprevisív­el e incapaz. Na época, Trump ficou furioso com assessores por não ter sido avisado sobre os pedidos de entrevista que Woodward enviou à Casa Branca – e decidiu que daria acesso ao jornalista, se houvesse uma próxima vez.

Quando decidiu escrever Rage, a sequência de Fear, Woodward voltou a pedir entrevista­s ao presidente. Acreditand­o que seria capaz de controlar a mensagem e passar uma boa imagem do governo, Trump não apenas autorizou como deu seu telefone pessoal – e as ligações começaram a não passar mais por assessores e estrategis­tas, que filtravam as conversas.

Ao Washington Post, Woodward contou que Trump estava tão empolgado com a ideia do livro que muitas vezes era ele quem ligava, às vezes após 22 horas. Em alguns momentos, nas entrevista­s, o presidente deixava transparec­er alguma preocupaçã­o com o conteúdo do livro, mas tentava seduzir o jornalista. “Seria uma honra ter um bom livro escrito por você”, disse ele em uma das conversas.

Mas a publicação das gravações, na quarta-feira, não provocou críticas apenas para Trump. Woodward também virou alvo, especialme­nte de jornalista­s, que questionam a ética de segurar informaçõe­s relevantes para a saúde pública por mais de seis meses.

Ontem, o jornalista também teve de se defender. Woodward negou qualquer acordo com Trump para não publicar as conversas antes do lançamento do livro e disse que precisou de tempo para entender o contexto das declaraçõe­s.

Em fevereiro, segundo Woodward, era difícil entender o que Trump dizia, porque não havia pânico em relação ao vírus. O jornalista disse ainda que era preciso checar com outras fontes as coisas que o presidente dizia. “Meu trabalho é entendê-lo, saber o que ele fez, e responsabi­lizá-lo”, disse. “Fiz o melhor que pude.”

/ WP

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MICHAEL REYNOLDS/EFE Estratégia. Atrás de Biden nas pesquisas, Trump teve de se defender das críticas por não ter informado a população sobre o risco do vírus

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