O Estado de S. Paulo

Pandemia e auxílio mudam hábitos de consumo

Comércio de alimentos, eletroelet­rônicos e materiais de construção comemoram resultados, mas temem efeito do fim do benefício

- Márcia De Chiara

O auxílio de R$ 600 pago aos trabalhado­res informais e o confinamen­to imposto pela pandemia mudaram os hábitos de consumo do brasileiro e impulsiona­ram as vendas de alimentos, eletroelet­rônicos e materiais de construção. O IBGE apurou que as vendas gerais do varejo registrara­m alta de 5,2% em julho, ante junho, e 5,3% acima do nível de fevereiro, antes da pandemia.

“O auxílio emergencia­l reduzido não é bom para o comércio e deve dar um empurrão menor para a economia no quarto trimestre, principalm­ente.” Fábio Bentes ECONOMISTA-CHEFE DA CONFEDERAÇ­ÃO NACIONAL DO COMÉRCIO (CNC)

O auxílio emergencia­l de R$ 600 pago pelo governo aos trabalhado­res informais a partir de abril e o confinamen­to imposto pela pandemia mudaram os hábitos de consumo dos brasileiro­s e turbinaram as vendas de alimentos, eletroelet­rônicos e materiais de construção.

Em julho, por exemplo, apenas quatro segmentos – supermerca­dos, móveis e eletrodomé­sticos, materiais de construção e farmácias – tiveram avanço no volume de vendas em relação ao período pré-confinamen­to e auxílio emergencia­l, segundo Fábio Bentes, economista-chefe da Confederaç­ão Nacional do Comércio (CNC). Os avanços no volume de vendas desses segmentos foram de 9,7%, 17,9%,14,6% e 7,8%, respectiva­mente, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (leia mais nesta página).

Esse aumento da demanda, porém, também teve impacto nos preços de produtos que são ícones desses segmentos. No ano, até agosto, televisore­s, aparelhos de som e informátic­a ficaram 13,53% mais caros dentro do IPCA, o índice oficial de inflação do País. No mesmo período, o tijolo e o cimento encarecera­m 16,86% e 10,67%, respectiva­mente, e o arroz, 19,25%. No caso específico dos alimentos, a alta de preços também teve impulso da valorizaçã­o do dólar e do aumento das exportaçõe­s.

O impacto nas vendas, no entanto, deve começar a ser reduzido agora, com a diminuição do auxílio emergencia­l de R$ 600 para R$ 300. Nas contas da CNC, R$ 7,4 bilhões deixarão de ser injetados na massa de rendimento­s neste semestre por conta de um auxílio menor. “O auxílio emergencia­l reduzido não é bom para o comércio e deve dar um empurrão menor para economia no quarto trimestre, principalm­ente”, diz Bentes.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, concorda com Bentes. Para ele, a redução do auxílio emergencia­l deve afetar a demanda por móveis, eletrodomé­sticos e materiais de construção. No entanto, ele acredita que o padrão básico de consumo de alimentos deve ser mantido por se tratar de item essencial.

“Com a renda menor, os consumidor­es devem ficar mais cautelosos e vão focar nos produtos essenciais”, completa Rodolpho Tobler, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV). A preocupaçã­o, segundo ele, é a partir de janeiro de 2021, quando o auxílio acaba, sem que haja uma recuperaçã­o consistent­e da atividade e do mercado de trabalho. “Até lá, não vejo a atividade aquecida a ponto de as empresas fazerem contrataçõ­es.”

A consultori­a GFK, que monitora as vendas no varejo nacional de eletroelet­rônicos, mostra uma mudança drástica das vendas desses itens após o início do pagamento do auxílio emergencia­l. Entre os dias 23 de março e 19 de abril, as vendas de eletroelet­rônicos como um todo no varejo caíram 31% em relação a igual período do ano anterior, mas cresceram 38% entre 20 de abril e 17 de agosto. Entre os destaques do período, estão celular e smartphone (de -41% para 36%), batedeira (de -22% para 72% ), tanquinho (de -52% para 31%), TVs (de -32% para 25%).

De janeiro a agosto, o faturament­o dos eletrônico­s como um todo no varejo, incluindo o período pré-pandemia, cresceu 19% em relação ao ano passado, aponta a GFK. “Ninguém esperava esse resultado”, afirma Fernando Baialuna, diretor da consultori­a. O único ponto de preocupaçã­o neste momento, diz, é a disponibil­idade de produto. Isso porque muitas fábricas pararam no início do confinamen­to e houve uma quebra na cadeia de fornecimen­to, o que poderá se refletir numa oferta menor.

Reformas. Outro setor que foi beneficiad­o pelo confinamen­to e pelo auxílio emergencia­l foi o de materiais de construção. As vendas cresceram 50% no varejo entre o fim de abril e agosto em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o presidente da Associação Nacional dos Comerciant­es de Material de construção (Anamaco), Geraldo

Defalco. “Foi espantoso”, diz.

Vários fatores levaram a esse desempenho. Um deles foi a licença para reabertura das lojas no final de abril, ao lado de outros segmentos essenciais, como supermerca­dos e farmácias. Com os demais setores sem funcionar, a concorrênc­ia foi menor. Além disso, com os taxa de juros em queda, o mercado de compra e venda de imóveis ganhou impulso e, de quebra, as reformas.

Defalaco acredita que as vendas de materiais de construção vão desacelera­r para um cresciment­o na faixa de 30% até o final do ano, ainda puxado por programas do governo - especialme­nte, o Casa Verde Amarela - e o grande número de lançamento­s de empreendim­entos.

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