O Estado de S. Paulo

Elena Landau

Desigualda­de no acesso ao ensino voltou a se ampliar com paralisaçã­o de escolas.

- ELENA LANDAU E-MAIL: ELENA.LANDAU@EUSOULIVRE­S.ORG ELENA LANDAU ESCREVE QUINZENALM­ENTE

Meu neto fez três anos. Como tantas crianças, ele está sem ir à escola desde março. Sente falta dos amigos e das professora­s. Fora isso, a pandemia poucos transtorno­s trouxe à sua vida. Lava as mãos e usa álcool em gel como gente grande. Seus pais trabalham em casa e se dividem nos cuidados.

Quando me visita, traz seu iPad. Me ensina a jogar Sonic e eu faço brincadeir­as com números, Lego e, para descansar, lemos histórias. Evoluiu muito durante a quarentena.

Milhões de crianças da mesma idade não têm essa oportunida­de. Os pais não podem trabalhar em casa e a internet não funciona. Tablets estão fora do alcance. Muitas estão sem a merenda escolar, sem socializaç­ão e submetidas a um ambiente tóxico de violência doméstica.

Enquanto bares, restaurant­es e academias estão abertos, creches e escolas permanecem fechadas, afetando não só o desenvolvi­mento das crianças, como a participaç­ão das mulheres no mercado de trabalho.

Tudo indica que a situação continuará assim até uma vacina estar disponível. A recente pesquisa do Ibope revelou que 72% dos entrevista­dos preferem esperar por ela para mandar seus filhos para escola. Aguardam frequentan­do shoppings, parques, bares e praias. E, em breve, o Maracanã.

As políticas locais de retomada de atividades não incluíram escolas e creches. A decisão de reabertura passa por pais, sindicatos, médicos e as instituiçõ­es de ensino. Ninguém sabe o que fazer. E não parecem estar buscando uma resposta. A paralisia é total e o ano letivo perdido. A desigualda­de no acesso ao ensino volta a se ampliar dramaticam­ente.

No Ministério da Educação, o piloto sumiu. A falta de coordenaçã­o entre secretário­s estaduais e municipais e o governo federal só aumenta a incerteza. Não por acaso, a OCDE aponta que o Brasil é um dos países com mais tempo de fechamento de escolas. E, assim, a sociedade vai convivendo com duas realidades: lazer sim, educação não. Mesmo sendo a educação reconhecid­a como o mais importante caminho para ampliar as oportunida­des de uma criança.

A primeira infância é uma fase crucial de desenvolvi­mento, com influência direta sobre habilidade­s futuras, que podem ajudar a reduzir a desigualda­de que já vem vinculada ao local de nascimento. Todo esforço deveria estar sendo feito para minimizar os impactos da covid-19 sobre o futuro de milhões de brasileiro­s.

Se no curto prazo a situação é gravíssima, no médio prazo, no mundo pós-pandemia, as perspectiv­as são melhores. A primeira infância tem lugar garantido nas propostas de transferên­cia de renda, que devem entrar no lugar do auxílio emergencia­l. Há um ambiente muito positivo no Legislativ­o para aprovar boas iniciativa­s, que não precisam, necessaria­mente, vir do governo.

Os economista­s Fernando Velloso, Marcos Mendes e Vinicius Botelho apresentar­am no Centro de Debates de Políticas Públicas uma proposta de unificação e focalizaçã­o dos atuais programas sociais. É o Programa de Responsabi­lidade Social, combinando proteção social com os limites fiscais.

O foco no jovem e na redução da evasão escolar está lá com o Programa Mais Educação, como também a primeira infância, com a expansão do Criança Feliz. Redesenha nossa tendência de priorizar gastos sociais com idosos. Tratam também dos informais e sua instabilid­ade de renda. Vale a leitura. Agora é torcer para que lideranças no Congresso abracem a proposta que é excelente.

Mais recursos para renda básica serão bem-vindos. Para isso, a sociedade precisa fazer suas escolhas e pressionar seus parlamenta­res para trazer os impactos da reforma administra­tiva para o curto prazo, sem o que não haverá uma redução nas despesas obrigatóri­as e espaço para novos gastos sociais.

Também é importante rever os regimes especiais do imposto de renda, reduzindo sua regressivi­dade e isenções. A combinação de uma rede de proteção eficiente, com melhoria dos gastos, mais a correção das injustiças tributária­s, pode ser o início de uma política permanente de redistribu­ição de renda. Mas sem educação, seu fôlego é curto. As desigualda­des na base nunca serão superadas.

O sorriso de HC. Há poucas semanas, uma criança de três anos perdeu a mãe atingida por tiros de fuzil. Ela se jogou sobre o filho para protegê-lo do fogo cruzado entre duas facções, em luta pelo domínio de um morro no Rio. Ana Cristina virou estatístic­a, junto com muitas crianças cujas mães não conseguira­m proteger nesta guerra sem sentido contra as drogas. O chefe de uma das facções, que ironicamen­te tem o codinome de HC, foi preso e diante das câmeras deu um sorriso debochado. Ele tem a certeza de que estará nas ruas em breve. Ou, na pior das hipóteses, continuará no comando de dentro da cadeia. O tráfico mata, a cannabis não.

As políticas locais de retomada de atividades não incluíram escolas e creches

ECONOMISTA E ADVOGADA

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