O Estado de S. Paulo

Inflação e populismo

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Acomida encareceu, o consumidor reclamou e o governo reagiu com um showzinho eleitoral, baseado num script já desmoraliz­ado há 30 anos.

Acomida encareceu, o consumidor reclamou e o governo reagiu com mais populismo. O presidente pediu patriotism­o e lucro “próximo de zero” aos donos de supermerca­dos. Em seguida, o Ministério da Justiça deu cinco dias a produtores e comerciant­es para explicarem a alta de preços, acenando com multas se forem comprovado­s aumentos abusivos – um conceito misterioso e estranho à ciência econômica. Enfim, foi zerada a tarifa de importação do arroz, o vilão mais notório da nova crise inflacioná­ria. Resta esperar e conferir se o produto estrangeir­o de fato derrubará os preços – efeito duvidoso, se o dólar continuar muito caro. Por enquanto só se viu o showzinho eleitoral, baseado num script já desmoraliz­ado há 30 anos.

Com tanto barulho, muita gente poderá desconfiar de um novo estouro inflacioná­rio. Mas convém olhar alguns números. Com alta de 0,24% em agosto, 0,70% no ano e 2,44% em 12 meses, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), retrato principal da inflação, estará mesmo fora dos conformes?

Para o consumidor pouco familiariz­ado com estatístic­as, aquele número mensal, 0,24%, é uma ficção sem sentido. Algo mais próximo da verdade talvez apareça nos detalhes. Com alta de 3,08% em agosto, o preço do arroz acumula aumento de 19,25% no ano. O do feijão subiu mais de 30% em oito meses, dependendo do tipo e da região, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE).

No entanto, o custo da alimentaçã­o fora de casa diminuiu 0,29% em julho e 0,11% em agosto. Mas quem se importa com isso, se menos pessoas estão comendo fora? Roupas e calçados também ficaram mais baratos, assim como a educação (descontos foram concedidos depois do fechamento de escolas). De novo, isso faz diferença?

Consumidor­es tendem a dar mais atenção à alta de preços do que à baixa. Além disso, a inflação medida pelos institutos de pesquisa reflete a média das variações de centenas de preços. Seria espantoso se os gastos de alguma família tivessem os mesmos itens do orçamento modelo, com os mesmos pesos. Além disso, hábitos mudaram com a pandemia. Os modelos de orçamento, no entanto, foram mantidos.

Mas a disparada dos preços da comida – porque houve, de fato, disparada – é um fato bem mais complexo do que talvez perceba a maior parte das pessoas, incluídas várias autoridade­s. Em vários momentos o valor do dólar esteve cerca de 40% acima do nível do início do ano. Valores em torno de R$ 5,60 têm reaparecid­o com frequência. Um segundo fator, parcialmen­te associado ao primeiro, é o aumento das exportaçõe­s do agronegóci­o.

As estrelas dessas exportaçõe­s continuam sendo a soja, seus derivados, o milho e as carnes. De janeiro a julho o setor exportou US$ 61,19 bilhões, 9,2% mais que um ano antes, segundo o Ministério da Agricultur­a. Essa receita, recorde para o período, resultou principalm­ente do volume, 15,8% superior ao de janeiro-julho de 2019. A China continuou como destino principal.

O aumento do volume exportado ajuda a entender a alta dos preços internos, mas há também o efeito do câmbio. Com maiores embarques e dólar muito mais caro, produtores e distribuid­ores de alimentos ajustaram seus preços às novas condições.

O câmbio e a perspectiv­a do retorno em reais estimulara­m também os embarques de produtos de menor peso nas exportaçõe­s, como o arroz. As vendas externas de 982,89 mil toneladas desse produto entre janeiro e julho foram um recorde para o período. As vendas têm ficado, em alguns meses, perto do dobro dos volumes de 2019. Alguma surpresa, ainda, quanto aos preços internos?

Quanto ao câmbio, o real tem sido uma das moedas mais desvaloriz­adas. Muito capital tem saído do País. Além disso, diminuiu o ingresso de recursos, principalm­ente de curto prazo. Há incerteza quanto às finanças públicas, por causa das prioridade­s eleitorais do presidente e das pressões por gastos. Além disso, o fogo nas florestas assusta investidor­es. Parte importante dos problemas está no Palácio do Planalto, bem longe dos armazéns agrícolas e dos supermerca­dos.

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