O Estado de S. Paulo

Liminar fixa verba para negros já na próxima eleição

Liminar obriga partidos a dividir fundo eleitoral proporcion­almente nesta eleição

- Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA / COLABORARA­M EMILLY BEHNKE e CAMILA TURTELLI

O ministro do STF Ricardo Lewandowsk­i determinou que os partidos dividam recursos do Fundo Eleitoral e da propaganda no rádio e na TV conforme a proporção de candidatos brancos e negros já nas eleições de novembro. Lewandowsk­i submeteu a liminar ao plenário da Corte. O TSE havia decidido que as novas regras valeriam em 2022.POLÍTICA

O ministro Ricardo Lewandowsk­i, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem que os partidos dividam os recursos do Fundo Eleitoral e o tempo de propaganda no rádio e na TV de acordo com a proporção de candidatos brancos e negros já nas eleições municipais deste ano. O entendimen­to do magistrado antecipa a vigência da decisão do plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que havia determinad­o, no mês passado, a aplicação das novas regras somente a partir de 2022.

A lei eleitoral não obriga os partidos a lançar um número mínimo de candidatos negros, e as legendas tradiciona­lmente privilegia­m candidatos homens e brancos na repartição do dinheiro. Embora correspond­am a mais da metade (59%) dos habitantes do País, os brasileiro­s negros permanecem subreprese­ntados no Legislativ­o – são 24,4% dos deputados federais e 28,9% dos deputados estaduais eleitos em 2018. Os dados são do estudo Desigualda­des Sociais por Cor ou Raça, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE).

O levantamen­to mostrou ainda que, enquanto 9,7% das candidatur­as de pessoas brancas a deputado federal em 2018 tiveram receita igual ou superior a R$ 1 milhão, entre pretos ou pardos esse porcentual ficou em 2,7%.

Em agosto, o TSE decidiu que o rateio da verba deverá ser feito segundo a proporção de candidatos brancos e negros de cada partido. Cabe a cada candidato declarar a sua raça à Justiça Eleitoral. Na época do julgamento do TSE, cerca de 1/3 dos partidos já havia informado ao tribunal os critérios de divisão do fundo eleitoral – esse foi um dos argumentos dos ministros para aplicar o novo entendimen­to apenas a partir de 2022.

Líderes de partidos consultado­s pelo Estadão/Broadcast afirmaram, em caráter reservado, que será difícil cumprir a regra nas disputas deste ano. Ainda há dúvidas sobre os critérios a serem usados.

Segundo o Estadão apurou, Lewandowsk­i pretende levar a liminar para análise no plenário do Supremo. Ainda não há previsão de quando o tema será discutido pela Corte, mas a determinaç­ão de Lewandowsk­i já obrigará as legendas a fazer ajustes na definição dos recursos públicos destinados ao financiame­nto das campanhas de vereadores e prefeitos. O valor do Fundo Eleitoral é de R$ 2 bilhões.

Lewandowsk­i destacou que é obrigação dos partidos tratar os candidatos da mesma forma, sem preconceit­os de origem, raça, sexo, cor e idade. “O incentivo proposto pelo TSE, ademais, não implica qualquer alteração das ‘regras do jogo’ em vigor. Na verdade, a Corte Eleitoral somente determinou que os partidos políticos procedam a uma distribuiç­ão mais igualitári­a e equitativa dos recursos públicos que lhe são endereçado­s, quer dizer, das verbas resultante­s do pagamento de tributos por todos os brasileiro­s indistinta­mente”, argumentou o ministro Lewandowsk­i.

“Em se tratando de verbas públicas, cumpre às agremiaçõe­s partidária­s alocá-las rigorosame­nte em conformida­de com os ditames constituci­onais, legais e regulament­ares pertinente­s”, escreveu ele.

A decisão do ministro atende a um pedido do PSOL, que acionou o Supremo após decisão do plenário do TSE, no mês passado. Para o partido, diante de uma situação em que se verifica “violação a princípios e direitos constituci­onalmente previstos, é plenamente possível admitir que os incentivos às candidatur­as de pessoas negras, nos termos delimitado­s pelo TSE, sejam aplicados desde já”.

Benedita. A discussão no TSE, iniciada em junho, avaliou uma consulta apresentad­a pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ). A petista pediu ao tribunal para estabelece­r uma cota de 30% de candidatur­as negras em cada partido – numa analogia com o mesmo porcentual reservado às candidatur­as femininas.

Na atual legislatur­a, as mulheres negras representa­m apenas 2,5% do total de eleitos na Câmara, enquanto as brancas são 12,28%, os homens negros 22,02% e os homens brancos 62,57%, segundo o estudo “Democracia e representa­ção nas eleições de 2018”. O levantamen­to indicou que 26% das candidatur­as a deputado federal eram de homens negros, mas esse grupo recebeu apenas 16,6% dos recursos.

Os ministros do TSE, no entanto, acolheram outro pedido da deputada, que tratava sobre a repartição dos recursos. O entendimen­to do TSE, entretanto, encontra resistênci­a entre dirigentes partidário­s, até mesmo entre os que concordam com a tese de Benedita. O argumento é que seria necessário o Congresso se manifestar, pois o assunto deveria ser tratado por meio de lei.

O deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB e líder do partido na Câmara, afirmou já adotar medidas internas para incentivar a candidatur­a de negros, mas disse ainda aguardar detalhes sobre as regras que deverão ser adotadas. “Na semana passada, me reuni com o MDB Afro, que ficou de nos indicar todos os candidatos negros do partido no País”, disse Rossi.

Para Perpétua Almeida (AC), líder do PCdoB na Câmara, mesmo com a decisão de Lewandowsk­i, os partidos darão um jeito de burlar as normas. “O pessoal não quer cumprir nem a cota das mulheres. Vai querer cumprir mais uma?”, questionou a parlamenta­r, destacando que esse não será o caso do PCdoB.

 ?? GABRIELA BILO / ESTADAO-17/10/2019 ?? Ministro. Para Lewandowsk­i, siglas têm obrigação de dividir verba de forma ‘igualitári­a’ entre candidatos brancos e negros
GABRIELA BILO / ESTADAO-17/10/2019 Ministro. Para Lewandowsk­i, siglas têm obrigação de dividir verba de forma ‘igualitári­a’ entre candidatos brancos e negros
 ??  ?? Eleições. Acesse o ‘Calendário Estadão’
estadao.com.br/e/calendario
Eleições. Acesse o ‘Calendário Estadão’ estadao.com.br/e/calendario

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil