Escola quer ajuda de advogados para voltar
Vaivém das decisões das prefeituras traz incertezas e cresce o recurso aos escritórios
Além de reforçar suas equipes com médicos, as escolas paulistas têm recorrido a advogados para definir se podem ou não reabrir e, em caso de proibição, se há alternativas dentro da lei para funcionar. O governo estadual deu aval para a retomada das atividades presenciais em setembro, mas a decisão final, nas mãos das prefeituras, é motivo de dúvida e insegurança entre os colégios.
Municípios há mais de 28 dias na fase amarela (nível 3 de 5 etapas da reabertura) receberam, em agosto, autorização do governador João Doria (PSDB) para reabrir escolas para atividades de reforço a partir do dia 8 setembro. Prefeitos poderiam ser mais restritivos e vetar esse retorno – nem todos, porém, indicaram o que fariam por meio de documentos oficiais.
No escritório da advogada Fernanda Misevicius, que atende mais de 50 escolas em todo o Estado, um funcionário foi designado para assistir as lives (vídeos ao vivo) de prefeitos e monitorar a publicação de decretos pelas gestões municipais.
As mensagens se multiplicam em grupos de WhatsApp com donos de escolas. O escritório oferece assessoria a colégios e diz que a demanda por apoio jurídico para abertura explodiu após a divulgação da possibilidade de retorno em setembro.
“Os setor entrou em polvorosa”, diz Fernanda, do Misevicius & Prado. “Uma questão que deixa mantenedores preocupados e ansiosos são as lives. Os prefeitos dizem isso e aquilo, às vezes fazem live, mas não há decreto.” O vaivém de normas também confunde. Ontem, a prefeitura de Carapicuíba, na Grande São Paulo, vetou o retorno das atividades na rede estadual até o fim do ano – nove dias após ter liberado.
Na terça, primeiro dia de abertura de escolas no Estado, o prefeito de Cotia, na Grande São Paulo, divulgou na internet que recuaria sobre o funcionamento da rede estadual. Ficou a dúvida se a mudança valeria também para a particular e, sem certeza, um colégio que abriu resolveu fechar em seguida.
A Maple Bear, rede com 68 unidades espalhadas por todo o Estado, montou uma “sala de guerra”, na definição do CEO,
Arno Krug, para avaliar diariamente as regras publicadas pelas prefeituras locais e definir se os colégios podem ou não abrir. Na terça, oito unidades abriram no Estado de São Paulo. Uma equipe com cinco advogados recebe as normativas das prefeituras e as interpreta a todo momento. “Tem sido um trabalho enorme”, diz Krug.
Nem mesmo na capital a regra ficou clara. Colégio da zona norte, o Beka consultou advogado para entender se a escola poderia abrir neste mês para apoio socioemocional dos estudantes, uma demanda que preocupava a escola. Embora o governo paulista tenha dado o aval para esse tipo retorno, o prefeito Bruno Covas (PSDB) vetou. “Fomos orientados a não retornar pela possibilidade de alguma multa, sanção. É tudo muito incerto”, diz Nicolly Sanchez, auxiliar de direção. O suporte emocional vem sendo oferecido pela escola de modo online.
No Poliedro, além de consultoria de saúde para definir protocolos sanitários, também há uma equipe responsável por acompanhar as comunicações dos governos locais. A rede tem unidades em São Paulo, Campinas e São José dos Campos e já prevê que as escolas retornem em datas diferentes. “O processo se torna mais difícil, lógico”, diz Luís Gustavo Megiolaro, diretor adjunto de unidades escolares do Poliedro “Mas, apesar da dificuldade, acreditamos que essas decisões descentralizadas precisam acontecer, uma vez que cada cidade passa por um momento diferente.”
Advogado especializado em Direito Educacional, Célio Müller calcula que, desde julho, a procura por apoio jurídico triplicou. “As consultas cresceram bastante exatamente porque as coisas não estão claras.” Segundo ele, um dos pontos de dúvida é sobre abrir escolas de ensino fundamental e médio (que são reguladas pelo governo do Estado) mesmo em municípios que não sinalizaram essa possibilidade. Parte das cidades já publicou decretos sobre a volta às aulas – segundo balanço do governo estadual, são 128 –, mas uma parcela ainda não se manifestou oficialmente.
Segundo Müller, sócio titular do escritório Müller Martin Advogados, impedidas de abrir por enquanto na capital e na Grande São Paulo, as escolas também passaram a buscar consultoria para entender se podem ou não oferecer aulas de idiomas e esportes. Essas atividades extracurriculares estão permitidas pela Prefeitura da capital e viraram um atalho para reabrir as unidades. Os especialistas, porém, entendem que os colégios têm de cumprir algumas exigências de cadastro para abrirem dessa forma.
Dúvidas. Para Anna Helena Altenfelder, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), as diferentes orientações podem causar ainda mais incerteza entre os pais. “Eles estão inseguros, não sem motivo. É uma situação de saúde séria e, talvez, protocolos e orientações diferentes, em uma situação de insegurança, acabem por criar mais dúvidas e ansiedade do que acalmar.”
Mas a especialista reconhece que a situação é, de fato, diversa entre municípios paulistas e é possível que alguns tenham condições de retorno antes de outros. Para dar segurança às famílias, diz, “as autoridades de educação devem convocá-las e prestar esclarecimentos do porquê de suas decisões, em parceria com as autoridades de saúde”.