O Estado de S. Paulo

‘Não adianta notificar produtor e varejo’

Para economista, quando há intromissã­o nas leis de mercado, resultado, em geral, é escassez e alta de preço

- Márcia De Chiara

André Braz, coordenado­r do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), diz que a decisão do governo de notificar produtores, supermerca­dista e ameaçar com multas por aumentos abusivos de preços dos alimentos da cesta básica, especialme­nte do arroz, que subiu quase 20% este ano para o consumidor, “não serve para nada”. “Já aprendemos essa lição no passado”, argumenta.

Quando houve intervençã­o e desrespeit­o às leis de mercado, o resultado foi mais escassez e alta de preço, lembra.

Em relação à redução da alíquota de importação do produto para diminuir a alta de preços (outra medida adotada pelo governo), o especialis­ta adverte que pode ser um jogo de efeito nulo, se o câmbio continuar a se desvaloriz­ar. Ele acredita que o ponto básico é reduzir as incertezas domésticas para que o dólar se estabilize e os preços das commoditie­s agrícolas formados no mercado internacio­nal parem de subir em reais. A seguir, trechos da entrevista.

• A alta da inflação preocupa? Não preocupa porque não é uma alta generaliza­da. Ela está concentrad­a nos preços de alimentos e a alimentaçã­o responde por 20% dos preços ao consumidor. Os outros 80% seguem muito bem comportado­s, até com queda. A preocupaçã­o que temos com a alta de alimentos é como ela afeta as populações mais carentes. Essa é uma preocupaçã­o social.

• Quando a inflação dos alimentos deve voltar à normalidad­e? No curto prazo, é difícil que volte à normalidad­e. A alimentaçã­o deve continuar respondend­o majoritari­amente pela inflação de 2020. Devemos encerrar o ano com inflação de dois dígitos para alimentos e a maior influência no índice geral. Mas, mesmo assim, a expectativ­a é chegar em dezembro com uma inflação média abaixo do piso da meta, que é 2,5%. Isso mostra que o efeito não é generaliza­do e concentrad­o em alimentos.

• A alta dos preços de alimentos pode mudar o cenário da política monetária na reunião do Copom da próxima semana?

O desafio para a política monetária não existe neste momento. O juro básico deve continuar onde está. Não há nenhuma novidade que force o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) a tomar uma decisão diferente em relação aos rumos da Selic (a taxa básica de juros).

• A decisão do governo de notificar produtores e varejistas e ameaçá-los com multa pelo aumento de preços resolve?

Não serve para nada. Já aprendemos essa lição no passado. Tivemos os fiscais do Sarney (José Sarney, presidente da República entre 1985 e 1990), uma turma que ia para rua. Tivemos congelamen­to de preço de energia. Nada disso surtiu efeito. Muito pelo contrário. Isso criou rigidez e desabastec­imento. Quando você tabela ou limita as leis de mercado, os produtores são desestimul­ados a continuar naquele segmento. Em geral, o resultado é escassez de produto e aumento de preço. Não se deve intrometer nas leis de mercado.

• Reduzir tarifa de importação de alimento tem efeito prático na inflação?

Pode não ter efeito prático, porque se o dólar continuar desvaloriz­ando, o que se tirou de imposto pode, eventualme­nte, ter de importar o produto mais caro. Mas, em geral, quando se baixa imposto, criase um pouco mais de competitiv­idade e acaba favorecend­o alguma redução ou pelo menos o preço para de subir por algum tempo. O ideal seria fazer isso para os itens da cesta básica e não considerar somente o arroz.

• A redução do auxílio emergencia­l para R$300 pode conter a demanda por alimentos?

Tira um pouco o fôlego das famílias. Vamos ter muita sorte se o período do fim do auxílio casar com a retomada da atividade. É o que está havendo agora com a flexibiliz­ação do isolamento. Na medida que o comércio volta à normalidad­e, gerase mais emprego e renda. Talvez isso compense um pouco o recuo do auxílio emergencia­l.

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FGV Selic. André Braz não vê risco agora de alta na taxa de juros

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