O Estado de S. Paulo

‘ABRIR A IMPORTAÇÃO VAI SER UM TIRO NO PÉ’

Para rizicultor Marcelo Vitorino, governo tem de se preparar, ‘porque ninguém mais vai produzir arroz’

- José Maria Tomazela SOROCABA

Oriziculto­r Marcelo Vitorino, do município de Turvo, interior de Santa Catarina, acha que o governo vai dar “um tiro no pé” se abrir a importação ou aumentar o imposto sobre o arroz brasileiro.

Nas últimas semanas, o preço do pacote de cinco quilos subiu de R$ 15 para R$ 45 nos supermerca­dos. “Está caro? Sim, mas o preço vinha defasado há dez anos e essa alta não dura muito. Se tira a alíquota de importação e aumenta imposto aqui dentro, o governo terá de se preparar para comprar arroz fora sempre, porque no Brasil ninguém mais vai produzir”, disse.

Marcelo e seu irmão e sócio, Adelor Vitorino, são de uma família tradiciona­l de produtores de arroz em Turvo, no extremo sul catarinens­e. No município, conhecido como “a capital do arroz”, eles cultivam 250 hectares do grão para abastecer o mercado e, também, fornecer semente para outros produtores. Na última safra, a produção foi de 170 sacas por hectare. Nesta quinta-feira, na região, a saca de 50 quilos de arroz em casca estava a R$ 115 para o agricultor. Depois de beneficiad­a, a saca rende até 35 quilos de arroz limpo.

Para ele, o problema do preço alto está no supermerca­do. “É só fazer as contas: o comerciant­e pega o arroz limpo a R$ 3,28 aqui e coloca na gôndola por R$ 9 o quilo. Acho que o governo deveria ir na prateleira, ver quanto o mercado está ganhando. O abuso está ali”, afirmou. Marcelo acredita que o período de preço alto será curto. “Na safra, entre março e abril, vendemos arroz a R$ 48 a saca, quando o preço ideal seria R$ 90. Como o plantio foi feito mais cedo este ano, em janeiro já vamos ter colheita. Em outras regiões, como no Paraná e no Centro-Oeste, já tem arrozal de 40 dias.”

Sem escassez. O produtor não vê risco de faltar arroz. “Muitos agricultor­es ainda têm produto para colocar no mercado, mas estão esperando o melhor momento para vender. São arrozeiros familiares que conhecem o negócio e sabem que é uma chance em dez anos para fazer uma reserva e trocar o maquinário que está defasado. Aliás, máquinas e insumos também subiram muito, mas disso ninguém fala.”

Para o rizicultor paulista José Francisco Ruzene, o pico no preço do arroz também pode ser explicado pelo aumento nas exportaçõe­s. “No auge da safra no sul, em março, teve fila de navio no Porto de Rio Grande (RS) recolhendo arroz dos produtores para suprir a falta do produto lá fora, pois houve aumento de consumo puxado pela pandemia. Eles pagavam de R$ 3 a R$ 4 a mais por saca do que o preço local e ficavam esperando o navio encher.”

Agricultor tradiciona­l, com 150 hectares de arrozais próprios em Guaratingu­etá, no Vale do Paraíba, Ruzene acredita que retirar a alíquota de importação será pior. “O governo vai descobrir que não tem arroz lá fora e o preço acabará subindo mais aqui. Além disso, o arroz que o País pode importar não é para o nosso paladar, não se compara ao nosso agulhinha.”

Tributos. Ele criticou a proposta de aumentar a carga fiscal sobre a produção agropecuár­ia, incluída no projeto de reforma tributária que está no Congresso. “O governo precisa dar atenção para alguns segmentos das cadeias produtivas que estão ficando para trás. O produtor de arroz não conseguiu financiar a produção este ano. Ele está com o nome sujo, já sujou o nome da mãe, do filho e do irmão, então o banco não libera crédito. Muito produtor de arroz já migrou para o milho, a soja ou para o gado.”

O próprio Ruzene, que também produz arroz especiais com foco em nichos específico­s de consumo, busca alternativ­as para manter a produção. Como prevê que o preço deve continuar em bom patamar no próximo ano, ele pretende ampliar o cultivo do agulhinha nas várzeas do Rio Paraíba do Sul. Preocupado com a situação dessa lavoura no País, Ruzene tem projeto para plantar uma área de 4 mil hectares de arrozais em Angola, país africano. “Ainda não avançamos como queríamos por causa da pandemia, mas já fizemos um campo experiment­al com bons resultados”, disse.

“O governo vai descobrir que não tem arroz lá fora e o preço acabará subindo mais aqui. O arroz que o País pode importar não é para o nosso paladar, não se compara ao agulhinha.”

Francisco Ruzene RIZICULTOR

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RAFAEL ARBEX/ESTADÃO–6/11/2017 Disparada. Plantação de arroz em Tocantins: nas últimas semanas, pacote de 5 quilos subiu de R$ 15 para R$ 45
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JOSÉ F. RUZENE

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