O Estado de S. Paulo

FUGA DAS CIDADES PODE NÃO SER DURADOURA

Migração para o home office, perda de emprego e desvios na carreira podem reconfigur­ar espaços urbanos na pandemia

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Asegunda metade do mês de março foi de novidades no trabalho para muitos brasileiro­s. Empresas passaram a aderir em massa o home office. Quem desempenha­va funções que poderiam ser realizadas remotament­e começou a ser mandado para casa e precisou dar um jeito para montar um espaço de trabalho no lar.

Muita gente viu nessa mudança a oportunida­de de sair das grandes cidades e “quarentena­r” em ambientes mais agradáveis. Foi o caso do economista Alberto Nogueira* e do advogado e professor Tiago Freitas*. Enquanto Nogueira, a mulher e dois cachorros saíram de São Paulo e foram para um apartament­o da família em uma praia de Santa Catarina, Freitas se mudou temporaria­mente com a mulher e os dois filhos para um sítio no interior paulista.

“Por mais que a gente ficasse confinado no apartament­o também, só de poder acordar, tomar café da manhã olhando o mar, almoçar olhando o mar, diminui bastante a pressão”, relata Nogueira. A mudança de ares estava prevista para durar um mês, mas o casal acabou decidindo estender a estadia, e ficou dois meses na praia. Agora, os planos são voltar para lá em outubro e ficar até o fim do ano.

Freitas também não sabe quando volta para a capital paulista. “Tenho dois filhos que sofriam muito em São Paulo com problemas respiratór­ios e precisavam ir com frequência ao hospital. E a gente estava preocupado de ter que enfrentar uma situação de explosão dos casos e os hospitais estarem lotados”, conta ele, que foi para o interior logo no início da pandemia – antes de o aumento no número de casos se interioriz­ar.

Mas será que a migração em massa para o home office, além das mudanças de trabalho – como perda de emprego durante a pandemia – pode moldar as cidades no futuro?

Primeiro, nem todo mundo teve a possibilid­ade de trabalhar de casa. O estudo Potencial de Teletrabal­ho na Pandemia: um Retrato no Brasil e no Mundo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostrou que apenas 22,7% dos empregos no Brasil podem ser realizados inteiramen­te em casa – número que nos coloca na 47ª posição entre os 86 países pesquisado­s em capacidade de aderir ao home office.

Mesmo assim, há pesquisas que apontam que quase metade (46%) das empresas adotou o modelo durante a pandemia – como mostra um estudo da Fundação Instituto de Administra­ção (FIA) – e que 70% dos brasileiro­s gostariam de continuar trabalhand­o de casa – segundo estudo da Faculdade de Economia, Administra­ção e Contabilid­ade (FEA) da USP com profission­ais principalm­ente de alta qualificaç­ão e renda.

“Existe uma grande discussão entre urbanistas e economista­s em relação a essas movimentaç­ões – se as pessoas vão sair, ou se elas vão querer ficar cada vez mais nos centros urbanos”, afirma a urbanista Laís Leão, criadora da InCities, projeto que visa ao desenvolvi­mento de cidades mais seguras. Ela explica que, com mais facilidade­s e opções de lazer, os centros urbanos ainda podem ser atrativos – mesmo para quem trabalha em casa e paga aluguel. “Porém, algumas vertentes acreditam que existe uma tendência de que as pessoas saiam dos centros urbanos maiores pela qualidade de vida ou pelo trânsito. Principalm­ente novas famílias, para as crianças poderem ter uma relação mais segura com as cidades”, diz a especialis­ta. *Os nomes foram alterados a pedido dos entrevista­dos, para manter a privacidad­e

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Muitos profission­ais trocaram as cidades pela praia ou pelo sítio, mesmo em home office

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