O Estado de S. Paulo

PANDEMIA EVIDENCIA POTENCIAL DO SUS

Infraestru­tura e financiame­nto são gargalos crônicos do sistema

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Os seis meses de pandemia do coronavíru­s geraram uma mudança contundent­e no sistema de saúde nacional. A sociedade como um todo, que abriu as janelas para homenagear os profission­ais de saúde, também se deparou com a importânci­a fundamenta­l do Sistema Único de Saúde (SUS).

A história da aposentada Armezinda Ferreira da Silva, 79, é apenas uma que reforça o peso que o SUS pode vir a ter na vida das pessoas. Moradora de São Paulo, ela pagou convênio médico por mais de 20 anos, mas no início da pandemia resolveu se refugiar na sua cidade natal no sertão da Bahia e acabou deixando de pagar o plano de saúde por alguns meses. Com o afrouxamen­to do isolamento social, a aposentada voltou para a capital paulista e em casa teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Foi socorrida no hospital mais próximo, uma unidade do SUS. A sobrinha Karina Ferreira da Silva, 32, acompanhou a tia durante todos os 10 dias em que ela ficou internada. “Ficamos todos surpresos com o atendiment­o. Foi tão bom que hoje ela pensa em cancelar o convênio definitiva­mente”, diz Karina.

Para a sobrinha, a principal dificuldad­e encontrada nos SUS é de estrutura. “Os profission­ais são atenciosos, tratam muito bem os pacientes, os exames são feitos no próprio local, sem necessidad­e de deslocamen­to, tem equipes altamente preparadas para os casos mais complexos, mas infelizmen­te falta infraestru­tura para atender todos que precisam”, diz Karina. Para ela, não há dúvida de que a pandemia deixou ainda mais evidente a importânci­a de se manter um sistema de saúde público eficiente.

Gulnar Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e docente do IMS/Uerj Instituto de Medicina Social da Universida­de do Estado do Rio de Janeiro, conside dera que seria muito bom que a consequênc­ia direta do reconhecim­ento da população sobre a importânci­a do SUS fosse mais investimen­to no sistema. “Mas não sei se podemos manter esta expectativ­a.” Para ela, a sociedade agora se deu conta de que o sistema universal de saúde brasileiro está vivo e tem sido fundamenta­l na pandemia. Sem ele, a situação de assistênci­a aos doentes estaria muito pior. “Mais do que nunca precisamos estimular que todos os brasileiro­s defendam o SUS e pressionem o governo para que ele seja fortalecid­o.”

SEM PLANO

Ela explica que, em média, 25% da população brasileira era coberta por planos privados de saúde. Levantamen­tos prévios, com base em dados disponibil­izados pela Agência Nacional de Saúde Suplementa­r (ANS), estimam que, de março a julho de 2020, houve expressiva queda no número de pessoas cobertas pela saúde suplementa­r, totalizand­o 327 mil usuários que saíram dos planos saúde nesse período.

“A recessão econômica e o aumento de desemprego com certeza farão com que muitas pessoas não consigam manter seus planos privados de saúde e vão precisar do SUS. Isso não é em si um problema porque o sistema é concebido para ser universal e garantir acesso a todos. A questão é que, com o subfinanci­amento histórico para o setor de saúde, agravado pela Emenda Constituci­onal 95/2016 que congelou os gastos para saúde em 20 anos, a expansão das ações e a possibilid­ade de garantia do cuidado integral ficarão muito aquém do que todos os brasileiro­s e brasileira­s necessitam.”

Gulnar destaca que o SUS garantiu uma ampliação inegável do acesso aos serviços de saúde e os indicadore­s epidemioló­gicos mais sensíveis mostram claramente isso. “Reconhecem­os, contudo, que o SUS não atingiu seu pleno funcioname­nto em todos os locais do País e o maior obstáculo para seu melhor desempenho é o financiame­nto. Sempre foi insuficien­te para implementa­r as políticas e os programas necessário­s”, diz. Para ela, o SUS pode ser aprimorado se for consolidad­o o seu caráter público; ampliado a sua capacidade de integração; fortalecid­a a política de pessoal; e implementa­da uma gestão participat­iva. “Sem dúvida, para que tudo isso ocorra é preciso urgentemen­te aumentar o repasse de recursos para o SUS.”

FICAMOS TODOS SURPRESOS COM O ATENDIMENT­O. FOI TÃO BOM QUE HOJE ELA PENSA EM CANCELAR O CONVÊNIO DEFINITIVA­MENTE KARINA FERREIRA DA SILVA

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Monitores de sinais vitais são essenciais dentro das UTIs

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