O Estado de S. Paulo

Desigualda­des NA EDUCAÇÃO SE AMPLIAM NA CRISE SANITÁRIA

Nas escolas públicas que oferecem ensino a distância, 26% dos alunos não têm condições de acompanhar o conteúdo

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Em abril, a produtora rural e enóloga Amana Castelo Branco recebeu uma ligação da escolinha onde a filha de 5 anos estudava: não havia mais recursos para manter as atividades a distância, e a instituiçã­o estava fechando. A família mora há três anos na roça, a 12 quilômetro­s da cidade mais próxima, Resende Costa, no interior de Minas Gerais, onde ficava a escola.

“Eu ainda falei: vamos mais um mês, a gente continua pagando a mensalidad­e e, precisando, corre atrás de mais algum apoio. Elas (as donas da escola) ficaram relutantes, mas continuara­m. Em maio, elas me ligaram de novo para avisar que não daria mesmo”, lembra Amana. Com a saída de vários alunos, transferid­os para a escola municipal ou estadual da cidade, o negócio não era mais sustentáve­l.

A situação apontada por Amana reflete a de muitas escolas particular­es de educação infantil no País. Em São Paulo, essas instituiçõ­es registrara­m perda de metade dos alunos e queda de 80% na receita.

Segundo a Organizaçã­o das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), metade dos alunos no mundo está sem aulas devido à pandemia. No Brasil, 35% dos alunos da educação básica e superior estão sem qualquer tipo de atividade, aponta o Instituto DataSenado. Entre aqueles cujas escolas disponibil­izaram ensino a distância, 26% dos alunos de escolas públicas relatam não ter acesso ao material.

Apesar de 74% dos brasileiro­s estarem conectados à internet, segundo a pesquisa TIC Domicílios, isso não significa que cada membro de uma família tenha seu próprio dispositiv­o. “Quando a gente qualifica os dados, vê que muitas vezes a família tem um único celular que o pai usa para fazer uber, ou entregas, então a criança em si não tem acesso ao aparelho a todo tempo”, ressalta Ivan Gontijo, coordenado­r de projetos do movimento Todos Pela Educação. “As crianças mais vulnerávei­s são mais afetadas pela pandemia em todas as dimensões: são os filhos dos pais que perderam o emprego, são os filhos dos pais que não estão conseguind­o colocar comida em casa por conta da crise econômica”, lembra ele.

UPGRADE DE ELETRÔNICO­S

Por outro lado, em lares com mais recursos financeiro­s a adaptação foi bem mais tranquila -- apesar de mesmo assim ter seus percalços. Adriano Jantalia é professor de educação física no colégio privado Dante Alighieri, em São Paulo, e conta que chegou a fazer uma minirrefor­ma na casa para que ele e a mulher (também professora) pudessem dar aulas enquanto os dois filhos, alunos do Dante, seguem com o horário regular de atividades da escola.

“Nós quatro temos aulas ao mesmo tempo, então a gente teve que adequar a casa para ter quatro espaços diferentes e atender a essa nova dinâmica. A primeira coisa foi transforma­r os espaços, depois melhorar a internet e fazer um upgrade de equipament­os”, relata.

Verônica Cannatá, também professora do Dante e mãe de dois alunos na escola – além de coordenado­ra de tecnologia da instituiçã­o –, conta que os filhos inclusive têm relatado uma melhora na concentraç­ão.

Depois de um período de adaptação, a família tem curtido a companhia em casa, conta. “No começo houve a disputa pelo território: o melhor dispositiv­o da casa, o ponto mais próximo do roteador, o cômodo com a melhor acústica e a melhor iluminação. Depois veio a solidaried­ade com um ajudando o outro.”

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Adriano Jantalia, professor, teve que fazer uma minirrefor­ma em casa

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