A arte de colecionar
Lembro-me bem do dia em que aquela amiga dos tempos de faculdade me convidou para conhecer seu apartamento recém-comprado. Radiante, ela tinha acabado de pintar a sala e estava insegura em relação a onde pendurar um objeto que ela dizia adorar: um óleo sobre tela, de inspiração modernista, e autor desconhecido, herança de seu avô. Dizia nutrir uma grande afeição pelo trabalho e, por isso, gostaria de dar a ele todo destaque na nova casa. Fazia questão de ouvir a minha opinião.
Programado para ser uma happy hour, nosso encontro adentrou a madrugada. Entre muitos goles de vinho e em meio à sala vazia – os móveis ainda não haviam chegado – experimentamos as mais diversas possibilidades, até que chegamos a um consenso. Além de reavivar suas memórias de família, a pintura nos fez lembrar dos anos na universidade, das aulas de História da Arte. Do quanto havíamos mudado, mas também do quanto certas coisas ainda pareciam ser eternas.
Duas décadas depois, fato é que o quadro continua lá, na mesma posição. Ganhou a companhia de outros trabalhos, mas, desde aquela noite, representou uma espécie de referencial para toda e qualquer aquisição que ela viesse a fazer – de móveis às fotografias autorais que, pouco depois, ela passou a colecionar. Imune ao tempo, a tela continua a despertar a curiosidade de quem a visita. É autêntica, capaz de emocionar. E, talvez por isso, sempre me lembro dela quando afirmo o quanto é válido investir em arte.
Não me refiro, obviamente, a uma abordagem lucrativa e orientada para os negócios. Essa sempre existiu e sempre existirá, esteja, ou não, ao alcance da maioria das pessoas. Falo da questão de exercitar o olhar, de olhar com curiosidade para as coisas. Do prazer de se apaixonar por um trabalho e de sentir o desejo de conviver com ele por toda a vida. Sem mais, nem por quê.
Uma sensação que o artista visual José Marton conhece muito bem. “Parti do zero, mas nunca adquiri nada pensando em investimento. O que sempre me motivou foi a emoção que cada trabalho me despertava”, conta ele, que coleciona arte há 30 anos e é proprietário de um acervo de quase 800 obras. “Quando comecei, os canais eram poucos. Hoje, a internet disponibiliza trabalhos originais e múltiplos, nos mais variados suportes e preços. Sem falar das galerias que só trabalham com edições”, diz.
Ainda assim, diante de tantas possibilidades, por onde começar? “Em arte, não há certo ou errado”, pontua Marton. Para ele, de quadros, passando por fotografias, objetos e até projeções, há sempre o que colecionar e expor. E dentro da quantia que cada um se dispuser a gastar. “O essencial é se sentir tocado pela obra”, observa o colecionador. Para quem, a menos que se queira, nenhuma parede precisa passar em branco.