O Estado de S. Paulo

Bolsonaro terá de depor pessoalmen­te, decide decano do STF

Celso de Mello negou depoimento por escrito no caso de suposta interferên­cia na PF

- / BRENO PIRES, TÂNIA MONTEIRO, JUSSARA SOARES e RAFAEL MORAES MOURA

O decano do STF, Celso de Mello, determinou que Jair Bolsonaro preste depoimento pessoalmen­te no inquérito que apura se o presidente interferiu na Polícia Federal para proteger sua família. O inquérito foi aberto em abril, após Sérgio Moro pedir demissão do Ministério da Justiça acusando Bolsonaro de ingerência política na PF. Bolsonaro é o primeiro ocupante do cargo a ser obrigado

a depor presencial­mente em uma investigaç­ão desde a redemocrat­ização do País. O Planalto considerou o despacho de “cunho político” e avalia recorrer da decisão para ganhar tempo, uma vez que Celso de Mello se aposenta em novembro. O procurador-geral da República, Augusto Aras, havia sugerido que o presidente se manifestas­se por escrito, mas Celso de Mello alegou que essa prerrogati­va vale apenas nos casos de testemunha­s, não de investigad­os. O decano também autorizou Moro a enviar perguntas ao presidente.

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o presidente Jair Bolsonaro preste depoimento pessoalmen­te no inquérito que apura se ele interferiu na Polícia Federal para proteger sua família. Com a decisão, Bolsonaro é o primeiro ocupante do cargo mais alto da República, desde a redemocrat­ização, a ser obrigado a depor de forma presencial em uma investigaç­ão. O Palácio do Planalto avalia recorrer da decisão, numa estratégia para ganhar tempo, uma vez que o decano da Corte se aposenta em novembro.

O inquérito foi aberto em abril após o então ministro da Justiça Sérgio Moro pedir demissão acusando Bolsonaro de ingerência política na PF. Mello não adotou, porém, o procedimen­to sugerido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para quem o presidente poderia se manifestar por escrito. Em 2017, o então presidente Michel Temer, por exemplo, foi autorizado pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso a se defender desta forma no inquérito dos portos, que apurava o favorecime­nto a empresas em troca de propina.

A dois meses de deixar o Supremo, Mello destacou, porém, que a possibilid­ade de depoimento por escrito é uma prerrogati­va de presidente­s apenas nos casos em que eles são testemunha­s. Mas não quando são investigad­os, como é o caso de

Bolsonaro. Relator do inquérito, o decano também autorizou Moro a enviar perguntas ao presidente. Os questionam­entos deverão ser feitos por meio dos advogados do ex-ministro.

O Estadão apurou que a tendência da PF é optar por ouvir o presidente no Palácio do Planalto, como ocorreu no testemunho de ministros do governo na mesma investigaç­ão. Contudo, há a possibilid­ade de o depoimento ser tomado por videoconfe­rência, conforme antecipou a Coluna do Estadão.

Planalto. O despacho do magistrado irritou Bolsonaro e, no Palácio do Planalto, foi considerad­o como sendo “de cunho político”. Mesmo assim, o presidente foi aconselhad­o a não reagir nem comentar o assunto em entrevista­s, para não criar nova crise com o Judiciário. No fim da tarde de ontem, ao chegar de uma viagem à Bahia, Bolsonaro convocou uma reunião, no Planalto, com o advogado-geral da União, José Levi. Ele também conversou com os ministros André Mendonça (Justiça) e Jorge Oliveira (Secretaria-geral).

A avaliação é de que ao apresentar um recurso, além de ganhar mais tempo, a decisão poderia ser tomada pelo plenário do STF, formado pelos 11 integrante­s da Corte e não por um único ministro. Se for pautado após novembro, Celso não participar­á do julgamento.

Embora ontem não tenha se pronunciad­o publicamen­te sobre o assunto, Bolsonaro já chegou a dizer que acreditava no arquivamen­to do inquérito. A declaração foi dada em junho, quando ele afirmou que não via problema em prestar depoimento pessoalmen­te.

“Eu acho que esse inquérito que está na mão do senhor Celso de Mello vai ser arquivado. A PF vai me ouvir, estão decidindo se vai ser presencial ou por escrito, para mim tanto faz. O cara, por escrito, eu sei que ele tem segurança enorme na resposta porque não vai titubear. Ao vivo pode titubear, mas eu não estou preocupado com isso. Posso conversar presencial­mente com a Polícia Federal, sem problema nenhum”, observou Bolsonaro, naquela ocasião.

Moro também é investigad­o no inquérito, aberto a pedido de Aras. O ex-juiz da Lava Jato foi o primeiro a prestar depoimento, revelando as declaraçõe­s de Bolsonaro na reunião ministeria­l do dia 22 de abril. A gravação se tornou peça-chave do caso e também foi divulgada por ordem de Mello.

Na prática, o depoimento de Bolsonaro é uma das últimas etapas da investigaç­ão. Caberá à PF indicar se houve ou não crime na conduta do presidente. Em seguida, a Procurador­ia-geral da República decidirá se o denuncia ou se arquiva o inquérito. Caso Aras opte pela denúncia, ainda será preciso aval da Câmara para que o processo siga em frente – são necessário­s os votos de 242 dos 513 deputados para autorizar a análise da denúncia pelo Supremo. S e Bolsonaro se tornar réu, ele é afastado do cargo por seis meses até que se decida por sua condenação ou absolvição.

Nos bastidores da PF e da PGR, no entanto, a expectativ­a é de que o caso seja arquivado por falta de provas. Em conversas reservadas, investigad­ores dizem ser difícil comprovar as alegações feitas por Moro.

 ?? GABRIELA BILO/ESTADÃO ?? Bahia. Bolsonaro durante agenda em São Desidério; investigaç­ão no Supremo apura se presidente tentou interferir na PF
GABRIELA BILO/ESTADÃO Bahia. Bolsonaro durante agenda em São Desidério; investigaç­ão no Supremo apura se presidente tentou interferir na PF

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil