O Estado de S. Paulo

O desafio de Fux

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São muitas as ameaças e afrontas à Carta de 1988, também por parte do próprio Judiciário. É esse o desafio que Luiz Fux se propõe a enfrentar e vencer.

Em seu discurso de posse, o novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, abordou temas fundamenta­is não apenas para o tribunal, mas para o funcioname­nto de todo o Estado. Logicament­e, Luiz Fux referiu-se especialme­nte ao Judiciário, mas suas palavras suscitam uma oportuna e necessária reflexão também para o Legislativ­o e o Executivo.

Luiz Fux fez clara defesa do papel do STF na proteção da Constituiç­ão. Lembrou, no entanto, que a competênci­a da Corte para o controle de constituci­onalidade sobre atos dos outros Poderes não autoriza a judicializ­ação de questões que devem ser decididas pelo Legislativ­o e Executivo. “Conclamo os agentes políticos e os atores do sistema de Justiça aqui presentes para darmos um basta na judicializ­ação vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar”, disse.

Com realismo e em profunda consonânci­a com os limites institucio­nais traçados pela Constituiç­ão, o novo presidente do STF lembrou que a Corte não “detém o monopólio das respostas – nem é o legítimo oráculo – para todos os dilemas morais, políticos e econômicos de uma nação”.

Não cabe à Justiça dirimir questões políticas, que estão na esfera do Congresso e do Executivo. “É cediço que, muitas vezes, o poder de decidir tangencia o poder de destruir. Por isso mesmo, a intervençã­o judicial em temas sensíveis deve ser minimalist­a, respeitand­o os limites de capacidade institucio­nal dos juízes, e sempre à luz de uma perspectiv­a contextual­ista, consequenc­ialista, pragmática, porquanto em determinad­as matérias sensíveis, o menos é mais”, lembrou.

É fundamenta­l o respeito do Judiciário aos seus limites constituci­onais. O voluntaris­mo e o ativismo judiciais são extremamen­te prejudicia­is ao País, com decisões que, em vez de solucionar conflitos, criam novos e maiores problemas. Muitas vezes, a grande contribuiç­ão do Judiciário para o funcioname­nto do Estado Democrátic­o de Direito é precisamen­te o reconhecim­ento de que não lhe cabe dizer nada sobre determinad­a matéria, pois está fora de sua alçada.

Nos últimos anos, tem-se constatado crescente judicializ­ação de assuntos que são próprios do Congresso. Fomentado não poucas vezes pelos próprios partidos políticos e parlamenta­res, o fenômeno representa perigoso desequilíb­rio institucio­nal, com efeitos sobre a democracia. Questões políticas, que deveriam ser decididas pela população por meio de seus representa­ntes eleitos, são entregues ao escrutínio de juízes, cuja tarefa é aplicar a lei, e não realizar escolhas políticas em nome de outros. Como assegura a Constituiç­ão, todo o poder emana do povo.

Diante dos vários prognóstic­os a respeito de qual rumo o STF seguirá em sua gestão, Luiz Fux apresentou uma auspiciosa diretriz. “Meu norte será a lição mais elementar que aprendi ao longo de décadas no exercício da magistratu­ra: a necessária deferência aos demais Poderes no âmbito de suas competênci­as, combinada com a altivez e vigilância na tutela das liberdades públicas e dos direitos fundamenta­is. Afinal, o mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplaç­ão e subserviên­cia”, lembrou.

O novo presidente do STF deu também um recado tranquiliz­ador em relação às especulaçõ­es de que a Corte poderia, de alguma forma, afrouxar o rigor da lei nos processos criminais. “Não admitiremo­s qualquer recuo no enfrentame­nto da criminalid­ade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção. Aqueles que apostam na desonestid­ade como meio de vida não encontrarã­o em mim qualquer condescend­ência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do Direito”, assegurou.

Num Estado Democrátic­o de Direito, o Judiciário aplica a lei; em primeiro lugar, a Constituiç­ão. Esse aprumo institucio­nal – que não compactua com criativida­des extralegai­s, idiossincr­asias político-ideológica­s ou protagonis­mos de palanque – é elemento essencial para que o STF possa exercer a contento seu papel de defesa da Constituiç­ão. Continuam sendo muitas as ameaças e afrontas à Carta de 1988, também por parte do próprio Judiciário. É esse o desafio que o ministro Luiz Fux se propõe a enfrentar e vencer.

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