O Estado de S. Paulo

João Gabriel de Lima

Bolsonaris­tas se encontram com americano Ryan Hartwig, que critica ‘censura’ à direita

- Felipe Frazão / BRASÍLIA

Redes sociais costumam ser o território do monólogo; lives abrem espaço para o diálogo.

Com adesivo de apoio à reeleição de Donald Trump e Jair Bolsonaro no peito, o militante norte-americano de direita Ryan Hartwig fez um road show no Brasil. Participou de ato político no 7 de Setembro e deu até entrevista­s em portunhol a blogueiros e youtubers de direita, como o canal governista Terça Livre. Apresentad­o como “delator” de uma suposta “censura política” à direita em organizaçõ­es de mídia, Hartwig desembarco­u no País na semana passada para uma série de encontros com grupos conservado­res, em São Paulo e Brasília.

O ativista ganhou notoriedad­e no círculo conservado­r por meio do projeto Veritas, iniciativa da extrema direita americana que busca desacredit­ar jornalista­s, empresas de comunicaçã­o e gigantes da área de tecnologia. A organizaçã­o tem como método principal, segundo Jane Kirtley, professora de ética e lei de mídia da Universida­de de Minnesota, criar situações para filmar e depois editar de forma seletiva conversas informais de jornalista­s e executivos sobre política e suas firmas.

No seu site oficial, o Veritas já divulgou conversas privadas de funcionári­os e documentos internos do Facebook, Google e Pinterest, além das TVS CNN e ABC News, na tentativa de demonstrar um suposto viés ideológico no trabalho dessas empresas. As conversas foram gravadas sem autorizaçã­o e expostas no site do Veritas, por meio de entrevista­s com ex-funcionári­os dessas companhias, tratados como “infiltrado­s”.

Em 2017, o jornal Washington Post revelou que uma pessoa tentou repassar à publicação uma notícia falsa envolvendo um candidato a senador nos Estados Unidos. O Post investigou a suposta “fonte” e descobriu que ela frequentav­a o escritório do projeto Veritas. Na época, o Veritas nada comentou.

Em carta ao Estadão, enviada após a publicação da reportagem no portal estadão.com.br,o projeto Veritas informou que não edita seus vídeos seletivame­nte nem favorece nenhuma ideologia em particular. Procurado por e-mail antes da publicação, Hartwig não se manifestou.

Tour. A agenda das visitas de Hartwig ao Brasil não foi pública, mas ele e seus admiradore­s divulgaram parte dela. Em Brasília, o militante almoçou e se reuniu na terça-feira passada com a deputada Bia Kicis (PSLDF), alvo do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF). Depois, participou da transmissã­o ao vivo do Terça Livre. O canal é liderado pelo blogueiro Allan dos Santos, também investigad­o no processo que apura a existência de uma rede para divulgar mensagens de ódio e notícias falsas.

“Estamos conversand­o sobre as mentiras, as fake news produzidas pela esquerda, e que têm completo amparo de redes como o Facebook. E aquelas verdades que a gente fala são tratadas como fake news”, afirmou Bia Kicis em um vídeo postado no Instagram, após almoçar com Hartwig. “Ele tem as gravações de pessoas, funcionári­os, empregados do Facebook confessand­o que perseguem mesmo conservado­res, que a ordem é retirar posts de conservado­res e deixar os progressis­tas.”

Numa rede social, um perfil anônimo celebrou a visita do militante ao Brasil em tom de brincadeir­a. “Agora a CIA (agência de inteligênc­ia dos EUA) chegou, porra! Ninguém nos detém”, diz o post. Hartwig respondeu: “Não, não sou da CIA. Só um norte-americano preocupado tentando ajudar o Brasil a manter a liberdade de expressão”.

No Twitter, Hartwig classifico­u a mídia no Brasil como “tão desonesta quanto a dos Estados Unidos”. E provocou: “Voltarei ao Brasil para depor no Congresso Nacional sobre censura”, numa menção a CPI das Fake News, que investiga uma rede formada por apoiadores do presidente Bolsonaro que tem como objetivo difamar os opositores do governo.

De Phoenix, no Arizona, Hartwig se define como conservado­r e simpatizan­te do Partido Republican­o. Ao todo, o norte-americano disse ter feito 17 reuniões em sete dias – sendo 13 entrevista­s a blogueiros e sites aliados do governo Jair Bolsonaro. “Não vim ao Brasil de férias, de forma alguma”, disse.

Hartwig afirma ter trabalhado por dois anos, de 2018 a 2020, para o Facebook. Era moderador de conteúdo contratado como terceiriza­do. Depois, divulgou gravações que alega ter feito, com câmera oculta. Para

o ativista, o Facebook é leniente com ataques a Trump e Bolsonaro. “A orientação do Facebook é promover pontos de vista esquerdist­as e apagar direitista­s”, afirmou ele ao Terça Livre. A empresa nega as acusações. “Nossas políticas de conteúdo se aplicam igualmente a todos, e não censuramos ou promovemos quaisquer correntes políticas”, informou o Facebook ao Estadão.

No Brasil, ele ainda incentivou campanha virtual contra o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, um adversário de Bolsonaro, questionou o perfil Sleeping Giants, que tenta expor financiado­res de sites com conteúdo falso, e compartilh­ou o vídeo usado pelo vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro Ricardo Salles para contestar incêndios na Amazônia, mas com imagens de animais da Mata Atlântica.

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TWITTER/@REALRYANHA­RTWIG Brasília. Ryan Hartwig (centro) durante ato do 7 de Setembro; agenda também incluiu almoço com deputada bolsonaris­ta

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