O Estado de S. Paulo

Adriana Fernandes

REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA DO ‘ESTADÃO’ EM BRASÍLIA

- ADRIANA FERNANDES E-MAIL: ADRIANA.FERNANDES@ESTADAO.COM ADRIANA FERNANDES ESCREVE AOS SÁBADOS

Pendurical­hos estão sendo ampliados para minar os dois tetos: o remunerató­rio e o dos gastos.

As lideranças do Congresso que se reuniram há poucas semanas com o presidente Jair Bolsonaro num manifesto em defesa do teto de gastos e austeridad­e fiscal deveriam correr para aprovar o projeto que garante o cumpriment­o de outro teto: o limite previsto na legislação brasileira que impede os servidores de ganharem mais do que os ministros do Supremo.

Hoje, esse limite está em R$ 39,2 mil – valor considerad­o baixo pelo ministro Paulo Guedes – mas burlado à vista de todos pelo Poder que deveria fazer cumprir a legislação aprovada pelo Congresso.

É essa trapaça da lei – melhor dizer, escárnio – que abre as portas para os altos salários e privilégio­s.

É interessan­te notar que a defesa do teto de gastos tem sido feita por muitos em Brasília (até mesmo por aqueles que no fundo não o querem atravancan­do o seu caminho) e são os mesmos que apostam na reforma administra­tiva para consertar o RH do serviço público brasileiro. Esses “guardiões” do controle de gastos, porém, não querem mexer nos seus próprios tumores.

Temos dois tetos e duas medidas. Os dois tetos, porém, estão intrinseca­mente conectados para abrir espaço no Orçamento. Não dá para querer falar em quebrar o “piso” do teto de gastos (em bom português isso significa dizer em reduzir os gastos obrigatóri­os, por exemplo, com a desindexaç­ão do salário mínimo e dos benefícios previdenci­ários) sem mexer nos privilégio­s do “andar de cima” da burocracia.

Muitos dirão e, com razão, que a economia com o cumpriment­o do teto remunerató­rio não faz cócega no buraco fiscal. E daí? Não vamos começar?

Não se trata de “vilanizar” o servidor público, como os beneficiár­ios desses privilégio­s tanto querem emplacar na narrativa oficial para vencer as suas teses. Estamos falando de desigualda­des dentro do serviço público que a reforma administra­tiva enviada pelo governo não ataca de forma corajosa.

Quem ganha hoje R$ 60 mil vai querer perder R$ 20 mil do seu rendimento mensal?

São tantos “pendurical­hos”, auxílios, gratificaç­ões, bônus... que a transparên­cia sobre esse mundo a parte dos rendimento­s da elite do funcionali­smo é muito pequena. “Puxadinhos” salariais que nem se consegue calcular. Esses adicionais têm sido usados pelos órgãos públicos para turbinar a remuneraçã­o dos servidores fora da alçada do teto remunerató­rio.

Se não querem o teto remunerató­rio, que fique claro e mudem a legislação. Idem para o teto de gastos, que é hoje o maior empecilho aos planos do presidente Jair Bolsonaro de turbinar o Renda Brasil.

O que se fez e continua sendo feito é ampliar os pendurical­hos e minar o teto remunerató­rio e também o teto de gastos E não é que, uma semana depois do envio reforma administra­tiva blindando a elite do funcionali­smo civil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma nova gratificaç­ão para os juízes que tem potencial para turbinar ainda mais o custo médio de cada magistrado, hoje em R$ 50,9 mil mensais. A resolução foi aprovada na terça-feira na última sessão do ministro Dias Toffoli como presidente do Supremo e do CNJ.

Belo presente de despedida que Toffoli deixou para o seus pares. Os magistrado­s estão fora da reforma, como também procurador­es e parlamenta­res.

Como bem pontuou a professora de administra­ção pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Gabriela Lotta em entrevista ao Estadão, o que chama mais atenção é que o Judiciário não se sente constrangi­do em aprovar agora a gratificaç­ão por resolução em meio à crise fiscal e todo esse debate em torno do cumpriment­o do teto de gasto. Não se falou em impacto fiscal. Os números não foram colocados na mesa.

O que sabe que com dados do próprio CNJ é que o custo médio de um magistrado para a administra­ção pública está bem acima do que seria a sua remuneraçã­o bruta. O gasto por magistrado é calculado em R$ 42,5 mil mensais na Justiça do Trabalho, R$ 52 mil na Justiça Federal e chega a R$ 75,4 mil no Tribunal Superior do Trabalho (TST).

“Todo mundo tendo que dividir o pagamento da conta dos nossos problemas fiscais e o Judiciário se vê no direito de pagar mais salário quando tem toda essa discussão do aumento da desigualda­de no Brasil”, critica Lotta.

A população está certa de dizer não à reforma enquanto o “andar de cima” do funcionali­smo não for alcançado. Que tal a Câmara aprovar logo projeto que está lá e já foi aprovado pelo Senado regulament­ando o teto remunerató­rio para barrar os supersalár­ios. Seria um bom começo para a reforma administra­tiva.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil