O Estado de S. Paulo

Recuperaçã­o da economia e obras paradas

SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORI­A, FOI MINISTRO DA FAZENDA

- ✽ Maílson da Nóbrega ✽

Apandemia de covid-19 evidenciou e agravou deficiênci­as manifestas, quais sejam, a desigualda­de social, a pobreza, a fragilidad­e da atividade econômica, o alto desemprego e o elevado endividame­nto público. Além desses desafios, é preciso também refletir sobre as bases de uma recuperaçã­o duradoura da economia brasileira.

Tudo isso dependerá de reformas estruturai­s para aumentar a produtivid­ade e o potencial de cresciment­o econômico, até mesmo mediante destravame­nto dos obstáculos impostos pelo setor público à atividade das empresas, de que são exemplos as obras paradas. A expansão da infraestru­tura será crucial. Esse conjunto permitiria a restauraçã­o de confiança dos empresário­s, tornando viáveis os investimen­tos. Agora, diferentem­ente de outras crises, a iniciativa privada deverá ter o papel mais relevante.

No campo da produtivid­ade, sobressai a proposta em exame de modernizar a caótica tributação do consumo – Propostas de Emenda Constituci­onal (PECS) 45, da Câmara, e 110, do Senado –, pois aí está a maior fonte de ineficiênc­ias. Haveria a substituiç­ão de cinco tributos por um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cobrado no valor agregado (IVA) e arrecadado no destino, permitindo a desoneraçã­o integral nas exportaçõe­s e nos investimen­tos. Além disso, para a participaç­ão do setor privado será fundamenta­l avançar nas concessões de serviços públicos. O marco do saneamento e, brevemente, a nova lei de gás natural poderão atrair vultosas inversões.

Felizmente, dispomos de certo tempo. A queda do produto interno bruto (PIB) em 2020, entre 5% e 6%, a maior da nossa História, legará grande ociosidade na economia, assegurand­o a recuperaçã­o cíclica em 2021, da ordem de 3,5% ou mais. A produção de petróleo, que poderá expandir-se em mais de 7% no próximo ano, contribuir­á para a reativação da atividade econômica em Estados como o do Rio de Janeiro.

O Brasil já venceu desafios semelhante­s. Para tanto ajudarão conquistas como a da solidez das instituiçõ­es e da democracia. Cite-se o êxito recente do mercado de capitais, que se tornou fonte de crédito para investimen­to em infraestru­tura. Casos de sucesso no setor privado são muitos, como os da Embraer, das empresas que dominam avançada tecnologia de construção civil, particular­mente na infraestru­tura, e da crescente multinacio­nalização de firmas bem administra­das.

Nesse contexto, é preciso não perder oportunida­des. Levantamen­to realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em agosto de 2019 indica 14 mil obras paralisada­s, somando R$ 144 bilhões. Numa análise superficia­l, uma obra de R$ 1 bilhão com prazo de execução de 36 meses pode empregar cerca de 1.500 colaborado­res e criar 216 mil outros empregos diretos em três anos. Boa parte desses empreendim­entos dispõe de fonte definida de financiame­nto, do Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES) e de outras instituiçõ­es financeira­s.

Vale destacar, no relatório do TCU, a informação de que cerca de 10% dos óbices à continuida­de dessas obras não derivam da falta de recursos, mas de objeções de tribunais de contas dos Estados e do próprio TCU, ou de problemas jurídicos. Não fosse pela conhecida lentidão decisória de órgãos públicos, que costumam procrastin­ar a adoção de saídas jurídicas razoáveis, cerca de 21.600 empregos diretos poderiam ser criados.

Um case de oportunida­de perdida é o do Metrô do Rio de Janeiro. Em seis anos foram construído­s 15 km de linha metroviári­a e cinco estações, mas uma delas está pendente de conclusão por causa de processos em andamento no Tribunal de Contas estadual. A continuida­de da obra geraria cerca de 1.600 empregos diretos, atenderia 22 mil passageiro­s por dia e proporcion­aria arrecadaçã­o de quase R$ 100 milhões em impostos, com impacto positivo na economia do Estado.

Não bastassem casos de falta de competênci­a técnica para opinar sobre assuntos complexos, os processos se eternizam pelo receio de dirigentes de órgãos públicos de serem responsabi­lizados por suas decisões. Assim, julgamento­s de ações que destravari­am obras importante­s são realizados sem considerar relatórios de auditoria independen­te, firmados por profission­ais internacio­nalmente reconhecid­os, que evidenciam equívocos de decisões tomadas sob esse ambiente.

Neste grave momento, não se pode perder tempo ou errar, nem usar a crise para oportunism­o ou para ferir a autonomia das instituiçõ­es de controle. Cumpre buscar soluções criativas e amparadas na lei, com vista a retomar obras paradas que não impliquem aumento de gastos públicos e contribuam para recuperar a economia.

Mesmo que se materializ­e o pior cenário macroeconô­mico e político, as conquistas institucio­nais e a relativas aos fundamento­s da economia têm tudo para ser preservada­s. A plataforma de lançamento econômico, digamos assim, permanecer­ia firme. Investimen­tos públicos que não exigem aporte de recursos orçamentár­ios deveriam ser retomados.

Iniciativa privada deve ter papel mais relevante na crucial expansão da infraestru­tura

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