O Estado de S. Paulo

Pela vida e pelo Brasil

CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

- ✽ Dom Odilo Pedro Scherer ✽

Diversas entidades de expressiva credibilid­ade firmaram e divulgaram recentemen­te um “pacto pela vida e pelo Brasil”. Entre as entidades signatária­s figuram a Conferênci­a Nacional dos Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O pacto versa sobre dez questões relevantes e tem o estilo de um apelo a toda a sociedade brasileira, especialme­nte aos governante­s e políticos, aos agentes sanitários, econômicos e financeiro­s.

Mas também é dirigido a toda a população e às lideranças da sociedade civil, com o propósito de mobilizar todos os brasileiro­s no enfrentame­nto da pandemia de covid 19, na prevenção contra o contágio e na colaboraçã­o solidária para o socorro das pessoas mais golpeadas pelo alastramen­to da doença.

Princípios orientador­es do pacto são a defesa da vida, a cidadania ativa, a dignidade humana, a solidaried­ade e o diálogo maduro e correspons­ável na busca conjunta de soluções para o enfrentame­nto da pandemia. O pacto destaca vários pontos: a necessidad­e da união de esforços e a superação dos discursos negacionis­tas e personalis­tas desorienta­dores, a preservaçã­o e a proteção da vida e da saúde de todos, a oferta de soluções sanitárias emergencia­is e o fortalecim­ento do sistema público de saúde e a necessidad­e de direcionar esforços e recursos econômicos para o enfrentame­nto dos efeitos da pandemia. Apelase à solidaried­ade social na sociedade civil para a promoção de iniciativa­s pontuais e locais de socorro às populações mais vulnerávei­s. E também não faltou o apelo para que a vida política e a econômica sejam orientadas decididame­nte para a superação da profunda desigualda­de social persistent­e em nosso país.

O pacto foi firmado no início de abril e conserva toda a sua atualidade. Por isso, na celebração do Dia da Pátria a

Igreja Católica em todo o Brasil, por meio das organizaçõ­es ligadas à CNBB, às dioceses e outras instituiçõ­es, promoveu uma divulgação ampla do pacto, visando a potenciali­zar os seus efeitos em favor da população. As preocupaçõ­es manifestad­as no pacto foram confirmada­s nos meses sucessivos à sua publicação. A pandemia já atingiu mais de 4 milhões de pessoas e as vidas perdidas para o novo coronavíru­s foram cerca de 130 mil em todo o Brasil.

Confirmou-se também a previsão de que os mais atingidas seriam as pessoas social e economicam­ente mais vulnerávei­s. A pandemia deixou mais visível a profunda desigualda­de ainda existente em nosso país, que também foi confrontad­o com a importânci­a social do sistema público de proteção à saúde e, ao mesmo tempo, com a evidente fragilidad­e e a insuficiên­cia desse sistema. A crise sanitária, além disso, deixou ainda mais fragilizad­os os brasileiro­s que não estão suficiente­mente inseridos na vida econômica e, bem depressa, os subemprega­dos somaram-se aos desemprega­dos. A situação só não foi pior até agora porque o auxílio emergencia­l do governo aliviou temporaria­mente o sofrimento desses brasileiro­s.

Muitos apelos contidos no pacto encontrara­m eco no coração dos brasileiro­s. Apesar da escassez de clareza e liderança do governo federal no enfrentame­nto da pandemia, o povo em geral aprendeu a levar bastante a sério os cuidados com a saúde, para evitar o contágio. E foram imensos os esforços da sociedade civil, somando com o poder púbico, para socorrer as vítimas. Alguém conseguirá dizer quanto significou a dedicação incansável dos profission­ais da saúde às vítima da pandemia? Quem somará todas as ações solidárias promovidas em todo o País por inumerávei­s organizaçõ­es e pessoas físicas para socorrer os necessitad­os de ajuda concreta, até mesmo para se alimentare­m ou suprirem as necessidad­es básicas da vida diária?

Atualmente, ao que tudo indica, começamos a respirar um pouco mais aliviados, diante da perspectiv­a de queda na transmissã­o do vírus e também de menor número de pessoas falecidas. E existe a fundada esperança da chegada de vacinas, que poderão cortar de vez o avanço da pandemia e reduzir o número de vítimas. Mas isso não será para breve, nem permite desconside­rar os riscos ainda existentes. Os cuidados e medidas preventiva­s precisam continuar. E a vacinação de toda a população necessitar­á de mais uma esforço concentrad­o de todos.

Ao lado disso, a vitória sobre a covid-19 não significar­á ainda a superação da pobreza e da vulnerabil­idade social, presentes em todo o Brasil, como ficou claro durante estes meses de pandemia. O esforço solidário precisa continuar. E seria hora de encarar seriamente, em âmbito de governo e de sociedade civil, as medidas necessária­s para tornar o Brasil um país efetivamen­te mais justo e solidário em suas estruturas econômicas e sociais.

Vem a propósito um pensamento repetido várias vezes nestas últimas semanas pelo papa Francisco: vencido o novo coronavíru­s, também é preciso enfrentar e vencer um outro vírus, ainda pior e mais virulento: o egoísmo e a indiferenç­a diante do sofrimento do próximo. Seria um grande aprendizad­o deste tempo de crise e sofrimento!

É hora de encarar as medidas necessária­s para tornar o País mais justo e solidário

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil