O Estado de S. Paulo

A peleja entre o time das redes e o time das lives

JORNALISTA, ESCRITOR E PROFESSOR DA FAAP E DO INSPER

- JOÃO GABRIEL DE LIMA E-MAIL: JOAOGABRIE­LSANTANADE­LIMA@GMAIL.COM TWITTER: @JOAOGABRIE­LDELI JOÃO GABRIEL DE LIMA ESCREVE AOS SÁBADOS

Jana e Tchelo. Tchelo e Jana. Jana é Janaina Paschoal, deputada estadual em São Paulo pelo PSL. Tchelo é Marcelo Freixo, deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro. Alguém teve a ideia de convidá-los para o mesmo vídeo – e, por incrível que pareça, eles mais concordara­m que discordara­m. Janaina concordou que “as pessoas de esquerda” têm razão em se sentir ameaçadas com o ambiente de ódio que vigora no Brasil atualmente.

Freixo concordou que a direita têm motivos para se queixar de discrimina­ção, especialme­nte no ambiente acadêmico. Os dois concordara­m que alguém dizer que prefere ter um filho morto a um filho gay só demonstra “ignorância” – palavra usada por Janaina.

A conversa entre Jana e Tchelo – como eles passaram a se tratar, em tom de brincadeir­a, durante a gravação – pode ser assistida no Youtube. Ela é parte do Fura Bolha, série de vídeos reunindo personagen­s da vida política que pensam que modo diferente. A primeira temporada, com oito episódios, teve até agora uma audiência de 12 milhões de pessoas. Entre os pares convidados, além de Freixo e Janaina, estão Sâmia Bonfim e Kim Kataguiri; Tabata Amaral e Vinícius Poit; Joice Hasselmann e Randolfe Rodrigues.

A era digital fornece ferramenta­s para o monólogo e para o diálogo. As redes sociais costumam ser o território do monólogo. Como eu não vejo meu interlocut­or, sou levado a lacrar, causar – e posso xingar à vontade. Já os vídeos e lives, populariza­dos pela pandemia, abrem espaço para o diálogo. “Quando você é obrigado a interagir com alguém, seja virtualmen­te, seja presencial­mente, precisa articular um pensamento, em vez de apenas latir e vociferar”, diz o cientista político Sérgio Fausto, um dos mentores do Fura Bolha e personagem do minipodcas­t da semana. A série foi criada pelo sociólogo Bernardo Sorj, codiretor, com Fausto, do projeto Plataforma Democrátic­a. No Fura Bolha, Fausto e Sorj trabalhara­m em parceria com a página digital Quebrando o Tabu.

O time das redes e o time das lives disputam o debate digital. Eles têm comportame­ntos diferentes. Tanto Freixo quanto Janaina apanharam de seus seguidores nas redes sociais, apenas por topar conversar em público com um adversário político. Em contrapart­ida, choveram comentário­s elogiando a iniciativa – mostrando que o time das lives começa a equilibrar o jogo. “Nas redes sociais, o que acontece muitas vezes é a não conversa, quem coloca uma opinião lá quer apenas ganhar a discussão e não trazer ideias ao debate”, diz a jornalista Alana Rizzo, uma das líderes do projeto Redes Cordiais, pioneiro nesse tipo de iniciativa. No ano passado, o Redes juntou num debate, por exemplo, a deputada bolsonaris­ta Alê Santos e a criadora do movimento Ninguém Solta a Mão de Ninguém, Thereza Nardelli. Ninguém morreu nem saiu ferido.

Para o jornalista britânico Edmund Fawcett, autor do livro Liberalism­o, a vida de uma ideia, o cerne da democracia é a crença de que nunca existirá uma sociedade em que todos acham a mesma coisa – e só o debate civilizado entre os que pensam de modo diferente pode levar à melhora coletiva. O Fura Bolha e o Redes Cordiais mostram que, mesmo num ambiente polarizado, é possível ter uma conversa serena e inteligent­e, adjetivos que sempre andam juntos – da mesma forma que burrice e gritaria costumam ser inseparáve­is.

Redes sociais costumam ser o território do monólogo; lives abrem espaço para o diálogo

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil