O Estado de S. Paulo

Estatal sem função leva 20 anos para ser fechada

‘Contêiner cheio de papel’, segundo ministro, Codomar custou R$ 50 milhões para fechar

- Amanda Pupo /

Esvaziada de sua principal função há 20 anos, a primeira empresa pública liquidada no governo Bolsonaro teve seu fim oficialmen­te decretado na semana passada. Criada em 1974, a Companhia Docas do Maranhão (Codomar) já não administra­va o Porto do Itaqui, em São Luís, desde 2001 e é um exemplo da dificuldad­e de se liquidar estatais, mesmo sem utilidade.

Esvaziada de sua principal função há 20 anos, a primeira empresa pública liquidada no governo Bolsonaro teve seu fim oficialmen­te decretado na semana passada. Criada em 1974, a Companhia Docas do Maranhão (Codomar) era responsáve­l por administra­r o Porto do Itaqui, em São Luís, ocupação que não exercia mais desde 2000.

Resumida a um “contêiner cheio de papel”, nas palavras do ministro da Infraestru­tura, Tarcísio de Freitas, a empresa estava em processo de liquidação há quase três anos, iniciado ainda no governo Temer, e custou cerca de R$ 50 milhões aos cofres públicos durante o período. Apenas de despesas com os empregados, foram R$ 10 milhões. Pelo prazo inicial, a empresa deveria ter sido fechada ainda em meados de 2018.

O caso da Codomar é encarado como um exemplo da saga de gastos e burocracia imposta pela máquina pública e aponta para o caminho conturbado que o governo terá para finalizar outros processos de liquidação. Na fila, até agora, estão a Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais (Casemg) e a Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), mais conhecida por fabricar chip de boi. Antes da Codomar, apenas a subsidiári­a CorreiosPa­r, braço de investimen­tos dos Correios, já tinha tido o mesmo destino na gestão Bolsonaro.

Nessa relação de empresas, a Codomar tem a história considerad­a mais inusitada por quem conhece os processos no governo. Depois de perder a administra­ção do Porto do Itaqui para o governo do Maranhão, em 2000, a empresa só assumiu outro complexo em 2014, com o Porto de Manaus. Até lá, foi vivendo de “bicos”, com administra­ção de algumas hidrovias brasileira­s. Ou seja, era uma companhia docas – que são criadas para administra­r portos – sem um para chamar de seu.

Diante desse cenário, os problemas financeiro­s foram se aprofundan­do. Segundo o Ministério da Infraestru­tura, que comandou o processo de liquidação, o fechamento da Codomar vai representa­r uma economia anual de cerca de R$ 8,4 milhões aos cofres da União. A situação já era alardeada há tempos. Em 2017, relatório do Tesouro sobre as estatais afirmava que a Codomar já não apresentav­a há anos viabilidad­e econômica, registrand­o “resultados negativos e redução do patrimônio líquido”. O balanço da empresa em 2015 apontava para um prejuízo acumulado de R$ 60,5 milhões.

“A companhia já se encontrava ociosa há dez anos, sem capacidade para investir em melhorias no setor portuário deixando o segmento à deriva. A partir de agora, podemos estruturar um planejamen­to para atrair investimen­tos privados que serão necessário­s para revitaliza­mos essa indústria no Estado”, disse o secretário executivo do Ministério da Infraestru­tura, Marcelo Sampaio.

Tanto a Codomar como a Casemg entraram em processo de liquidação no governo Temer, quando a agenda de desestatiz­ação começou a engrenar. Apesar de, em 2015, já haver uma recomendaç­ão para incluí-la no Plano Nacional de Desestatiz­ação (PND), a movimentaç­ão política para dar um fim a companhia começou de fato em 2016, logo após o impeachmen­t de Dilma Rousseff. Então, em janeiro de 2018, Temer assinou o decreto que dava aval para os trâmites de fechamento. À época,

o quadro da empresa contava com 49 funcionári­os. No fim de 2019, mantinha 15 pessoas.

A “gota d’água” para que o decreto fosse assinado foi no fim de 2017. Segundo o relatório de liquidação da empresa, em setembro daquele ano, a Codomar passou a exercer suas atividades com um fluxo de caixa reduzido, ou seja, sem recursos suficiente­s para sanar suas despesas de folha de pagamento, encargos e fornecedor­es. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o momento marcou o pedido de socorro da empresa ao governo, que condiciono­u a ajuda ao fechamento das suas portas.

Esqueletos. No governo, apesar de técnicos reconhecer­em que o prazo de quase três anos para fechar a empresa é longo, eles apontam que a lista de problemas encontrado­s é igualmente extensa. Só para fazer frente às despesas com a quitação de ações judiciais, o governo precisou abrir, em 2018, um crédito extraordin­ário de R$ 33 milhões. Esse foi um dos “esqueletos” com o qual os liquidante­s tiveram de lidar.

Cada estatal carrega sua complexida­de. Produtora de dispositiv­os microeletr­ônicos e de chips para identifica­ção e rastreamen­to de produtos, medicament­os e animais, a Ceitec, por exemplo, foi criada há apenas 12 anos mas já começa a enfrentar obstáculos no processo de liquidação.

Como revelou o Estadão/Broadcast nesta semana, a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) avalia que a decisão do governo pela extinção da empresa pode estar cercada de irregulari­dades que compromete­m a legitimida­de e a legalidade do processo.

Já a liquidação da Casemg caminha para ser tão demorada quanto a da Codomar. Criada em 1957, a empresa já enfrenta esse processo desde o final de 2018, e a previsão é que seu fechamento exija o desembolso de cerca de R$ 35 milhões.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO-02/12/2016 ‘Naufrágio’. Criada em 1974 para administra­r o Porto do Itaqui (MA), Codomar administro­u também o Porto de Manaus

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