O Estado de S. Paulo

Fechamento das escolas por meses aprofunda o que o Brasil tem de mais triste.

- Renata Cafardo

Ointerminá­vel debate sobre volta às aulas, que nos ocupa quase o ano todo no Brasil, sempre tocou na questão da desigualda­de. Há os que acreditam que retornar em breve prejudica quem está em escolas das periferias, com menos estrutura para exigir distanciam­ento ou outras proteções contra a transmissã­o do coronavíru­s. Também se diz que não há equidade se o governo permitir que escolas particular­es voltem antes das públicas, já que se declaram preparadas.

Ambas são afirmações corretas. Mas como estão hoje as crianças e adolescent­es fora da escola em virtude da pandemia? Estão todos vivendo de maneira igual, com os mesmos direitos? Ninguém teria coragem de responder que sim. Obviamente uma minoria se isola em casas extremamen­te confortáve­is, na praia, no campo, com internet de 300 megabytes. Não que os problemas emocionais também não atinjam essas crianças e jovens, tidos como privilegia­dos. Mas outros passam o mesmo momento difícil em casas minúsculas, divididas entre diversos familiares, com alimentaçã­o insuficien­te e a falta de dinheiro.

A longa quarentena brasileira de escolas fechadas levou, no entanto, a atalhos causadores de mais desigualda­de.

Professore­s estão sendo contratado­s por famílias, em grupos organizado­s pelos pais, a preços altos, para dar aulas às crianças que já não suportam mais ficar longe dos amigos. Há todo tipo de atividade, alfabetiza­ção, brincadeir­as, leitura. As turmas de crianças, em geral pequenas, se reúnem em praças, parques, condomínio­s.

Mas incrivelme­nte tem ainda as próprias escolas que passaram a abrir suas dependênci­as para alunos com atividades livres de regulação, já autorizada­s a funcionar, como recreação, inglês e esportes. Muitas outras prometem ir pelo mesmo caminho se as aulas continuare­m suspensas.

Já estão a toda também os chamados condomínio­s clube, antes fechados pelos síndicos. Os filhos da classe alta já têm piscina à disposição, parquinho e espaço para correr a vontade. E, por último, há ainda a volta das babás. As moças de branco tiveram de retornar depois de alguns meses, com medo de perderem o emprego. Cuidam das crianças dos patrões que também voltaram

ao escritório ou já estão cansados de lidar com os filhos em casa. Os filhos das babás ficam para trás.

Nos últimos meses de quarentena, a classe alta achou um caminho para resolver sozinha o fechamento das escolas. Mas para os mais vulnerávei­s, cujos pais estão servindo no bar, no restaurant­e ou vendendo nos shoppings, os atalhos possíveis podem compromete­r o cuidado e até a vida das crianças. Elas são deixadas sozinhas em casa ou com irmãos mais velhos, sujeitas a acidentes domésticos, abusos e comportame­ntos de risco. Ou com vizinhos, o que muitas vezes não melhora a situação. Outra opção é ficarem nas ruas.

“Quando as escolas são fechadas, aumenta a ocorrência de casamentos prematuros, mais crianças são recrutadas por milícias, aumenta a exploração sexual

de meninas e mulheres jovens, a gravidez na adolescênc­ia se torna mais comum e o trabalho infantil igualmente cresce”, alerta a Unesco. Para os adolescent­es pobres, que dificilmen­te continuam em casa esperando a pandemia passar, soma-se a isso o alto risco de abandono da escola, por desestímul­o ou necessidad­e de trabalhar para ajudar a família. Estudos ainda mostram relação entre abandono escolar e aumento de taxas de homicídio.

A escola brasileira obviamente não resolve os problemas de desigualda­de e, às vezes, até os agrava. Mas o seu fechamento por seis meses, declarado pela OCDE como um dos mais extensos do mundo, também não ajuda a deixar nossas crianças com tratamento igual. Aprofunda o que o Brasil tem de mais triste.

A classe alta contrata professore­s, chama as babás. Os pobres estão nas ruas

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