O Estado de S. Paulo

PANTANAL AMEAÇADO

O ‘Estadão’ está em Poconé (MT) e acompanha de perto a devastação e o resgate de animais, entre eles uma onça pintada

- Vinícius Valfré Dida Sampaio

Voluntário­s e biólogos resgatam onça-pintada com queimadura­s no Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense: maior série de queimadas na região nas últimas duas décadas está dizimando espécies e ameaçando os últimos redutos das onças, informam Vinícius Valfré e Dida Sampaio. Sem ajuda, muitos pantaneiro­s agem por conta própria contra o fogo.

Tarde de mormaço no Pantanal de Mato Grosso. Pelo Rio São Lourenço, corre a informação, de barco em barco, que uma onça-pintada está cercada pelo fogo na margem de um afluente do curso, a montante. Num cais da localidade de Porto Jofre, em Poconé, a 290 quilômetro­s de Cuiabá, o “piloteiro” Vandir Garcia, o Cabelo, diz à equipe do Estadão que pode chegar com sua voadeira até o animal em 45 minutos.

É a maior série de queimadas na região nas últimas duas décadas, informa o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). As labaredas engoliram 2 milhões de hectares, uma área equivalent­e a dez vezes os território­s dos municípios de São Paulo e Rio juntos, destaca o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “O fogo neste ano aqui está muito brabo. Os animais não conseguem escapar”, afirma Cabelo, um paraguaio de 49 anos, há 30 em serviços de transporte nos caudalosos cursos de água.

Na viagem para localizar a onça, o “piloteiro” demonstra incômodo também com o nível do mormaço. O horizonte no estirão do rio ganha um tom avermelhad­o e o calor torna-se mais intenso. Focos de incêndio surgem de um lado e de outro. Uma densa fumaça encobre o céu. A fuligem está em toda parte. A visibilida­de é limitada. Nos trechos mais abertos, é possível ver tuiuiús, martins-pescadores e biguás nos remansos.

Antes de sair do cais na voadeira pilotada por Cabelo, na sexta-feira, o Estadão certificou-se que uma rede formada por moradores, voluntário­s, biólogos de uma ONG de defesa de animais e donos de pousadas seria informada da localizaçã­o da onça assim que terminasse uma outra missão de resgate no local.

Após alguns minutos de viagem, o barco entra no Rio Corixo Negro, que deságua no São Lourenço, área de presença constante de jacarés e sucuris. O braço é mais raso e um descuido pode prender a embarcação na galharia do leito.

Foram apenas 35 minutos para a equipe avistar a onça estirada num trecho da margem esquerda. É um macho jovem. Tem aproximada­mente 2 anos e pesa cerca de 100 quilos, estima Cabelo. Um ribeirinho que passou por ali jogou uma piranha para a onça, que não teve forças para se alimentar.

Da voadeira, a reportagem registra o momento em que o animal se levanta, caminha e logo depois interrompe o deslocamen­to. As patas estão feridas, em carne viva. Lambidas na parte de baixo das patas removem a pele queimada em uma tentativa de amenizar o sofrimento. Possivelme­nte a onça fez um grande esforço para chegar à beira do rio, área onde poderia se salvar. Antas, capivaras, cobras, veados e aves morrem por asfixia ou queimadura­s ainda dentro da mata.

O Estadão aguarda o grupo de salvadores de animais para que a onça não desapareça. Uma hora depois, os integrante­s da rede encostam seu barco. A missão em que estavam não teve bom resultado. Ainda no dia anterior, o grupo chegou a usar tranquiliz­antes em um animal que agonizava, mas o bicho se assustou e voltou para a mata sem deixar rastros.

A operação para retirar uma onçapintad­a de seu hábitat, mesmo quando debilitada, é complexa e perigosa. Requer paciência. O grupo de salvamento é liderado por Eduarda Fernandes Amaral, de 20 anos apenas, natural de Cuiabá. Ela é uma liderança em Porto Jofre que faz a interlocuç­ão entre donos de pousadas, Corpo de Bombeiros, ONGs e agentes ambientais do governo de Mato Grosso. “O Pantanal é muito grande para os poucos bombeiros que vieram”, afirma.

“As pessoas dirigem na Transpanta­neira, veem o fogo, mas não imaginam o que acontece no coração do Pantanal. Não tem brigadista, não tem ninguém.” Eduarda Fernandes Amaral

VOLUNTÁRIA QUE LIDERA OS RESGATES

Assustada.

Os veterinári­os logo percebem que o caso da onça do Corixo Negro é crítico. Assustada, magra e sem forças, tem dificuldad­es para manter-se de pé. O barco do grupo de salvamento e a voadeira do guia são manobrados para forçá-la a se deslocar para um local específico da beira do rio. Dali, um médico veterinári­o tentaria se desvencilh­ar dos galhos e acertar uma zarabatana com sedativo.

O animal resiste e se abriga sob raízes em um barranco. As manobras prosseguem ao longo de uma hora. Finalmente, o veterinári­o Jorge Salomão, de 36 anos, da ONG Ampara Animal, dispara a zarabatana para atingir a corrente sanguínea da onça. Em dez minutos, o felino “dorme”, de olhos abertos. A partir daí, começa outra corrida contra o tempo para suspendê-lo e colocá-lo numa jaula, onde serão feitos os primeiros socorros.

Uma base instalada em uma pousada à margem da Transpanta­neira, estrada que passa pela região, recebe o animal provisoria­mente, até que começa outra etapa do processo de salvamento. É preciso providenci­ar helicópter­o ou caminhão para levar o bicho para tratamento. Por fim, a onça foi levada em helicópter­o da Marinha para um centro especializ­ado na Universida­de Federal de Mato Grosso. O último boletim veterinári­o informava que ela resiste.

Os próprios pantaneiro­s se unem numa ofensiva sem muitos recursos e estrutura em defesa do Pantanal. Os donos de pousadas abriram as portas dos quartos e puseram voadeiras à disposição dos biólogos e veterinári­os das entidades de proteção de animais que ajudam a movimentar a indústria do turismo. “As consequênc­ias do incêndio só não estão sendo piores porque houve uma união. A gente se juntou”, afirma Marcos, gerente de uma pousada em Porto Jofre. Os pantaneiro­s resolveram salvar por conta própria as onças, símbolos de um Brasil solidário, ainda selvagem e fascinante.

Em nota, a Defesa diz que o governo atua “sem poupar esforços” no combate ao fogo e que os focos de incêndio foram reduzidos. A pasta ressaltou que pôs um helicópter­o para ajudar nos resgates de onças e engaja 200 militares. O Ministério do Meio Ambiente afirma que enviou 5 aviões, 2 helicópter­os, 80 viaturas e 400 brigadista­s.

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DIDA SAMPAIO/ ESTADÃO
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Perigo. Operação para retirar uma onça, mesmo debilitada, é complexa Cinzas. Os pantaneiro­s se unem em uma ofensiva com poucos recursos

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