O Estado de S. Paulo

Quem acha que toda desgraça na política é obra da Lava Jato e da mídia deve olhar o Rio.

- Eliane Cantanhêde

A crise do Rio confirma que a culpa da descrença na política não é da Lava Jato, é de políticos

Quem tem certeza de que a culpa pela eleição de Jair Bolsonaro, o esfarelame­nto do PT e a desgraça dos partidos, da política e dos políticos é da Lava Jato e da mídia deve parar, pensar e olhar o que acontece no Rio de Janeiro, um dos três estados mais importante­s, que abriga o cartão postal do Brasil no mundo. Ali, não sobra pedra sobre pedra.

A crise no Rio é moral, ética, política, econômica, financeira, social, de segurança, de saúde, de educação... Isso tudo não é resultado da Lava Jato e da cobertura da mídia. Ao contrário, veio à tona exatamente porque houve um mergulho dos órgãos de investigaç­ão no que vinha ocorrendo e se eternizand­o e porque a mídia registrou. Ou melhor, revelou.

Sérgio Cabral não existiu por causa da Lava Jato, mas a Lava Jato existiu por causa dos Sérgio Cabral. Ele virou o que virou pela impunidade, ela surgiu contra a impunidade. A roubalheir­a ficou tão fácil que foi crescendo a perder de vista, contaminou instituiçõ­es, dragou belas biografias, operou com quantias de tirar o fôlego. A corrupção no Brasil e no Rio se mede aos muitos milhões, aos bilhões de reais.

Os últimos cinco ex-governador­es do Rio estão na cadeia ou passaram por ela, ex-presidente­s e líderes da Assembleia Legislativ­a também, a cúpula do Tribunal de Contas desmoronou. O atual governador, Wilson Witzel, está afastado e toda a linha sucessória comprometi­da: o vice em exercício, Cláudio Castro, e o presidente da Alerj, André Ceciliano, acabam de ser alvos de busca e apreensão.

Ceciliano é do PT, mas Witzel e Castro são do PSC, da linha de frente de apoio ao governo federal e presidido pelo Pastor Everaldo, que acaba de ser preso, é acusado também de ter ganho R$ 6 milhões para fingir ser candidato a presidente para insuflar a candidatur­a de Aécio Neves, do PSDB, e foi quem batizou Bolsonaro no rio Jordão, em Israel.

O prefeito do Rio, aliás, é Marcelo Crivella, da Igreja Universal do Reino de Deus, e passou raspando na votação do pedido de abertura de impeachmen­t na Câmara de Vereadores, por pagar sua própria “milícia” com dinheiro público. São servidores públicos que impedem que cidadãos denunciem os desmandos da saúde à mídia nas portas dos hospitais e transforma­m em fakenews e oba-oba os eventos públicos do prefeito. O líder passou a ganhar R$ 18 mil por mês em plena pandemia.

Crivella viajou com Bolsonaro no avião presidenci­al justamente no dia em que sofreu busca a apreensão. Bolsonaro, o senador Flávio e o vereador Carlos apoiam a reeleição de Crivella, que concorre em novembro com o exprefeito Eduardo Paes, igualmente alvo da Justiça, e a ex-deputada Cristiane Brasil, que se entregou à polícia anteontem. Ela é filha do presidente do PTB, Roberto Jefferson. E até a Fecomércio, o Sesc e o Senac do Rio estão na mira, junto com advogados de Witzel e do ex-presidente Lula e o misterioso ex-advogado de Bolsonaro e Flávio.

A Mãos Limpas produziu o indigesto

Berlusconi na Itália e a Lava Jato desaguou em Bolsonaro, Witzel, juízes, procurador­es, militares, policiais e neófitos que assumiram o discurso moralista e agora caem na mesma rede dos antecessor­es. Assim como o PT foi só mais um a cair nessa rede, Witzel é só o exemplo mais vistoso do que veio em seguida.

A culpa por essa avalanche de escândalos, que atinge partidos e políticos de todos os matizes, muito experiente­s ou arrivistas, é da Lava Jato? Das TVs, rádios, jornais e revistas? Quem gerou o bolsonaris­mo e seus filhotes não foram a Lava Jato, que descortino­u a sujeira, muito menos a mídia, que a mostrou ao distinto público. Foi, sim, a própria política. O erro original está no sistema. Que tal fazer a reforma política, eleitoral e partidária? Mas para valer.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil