O Estado de S. Paulo

Mudaram as estações

- VERA MAGALHÃES E-MAIL: VERA.MAGALHAES@ESTADAO.COM TWITTER: @VERAMAGALH­AES POLITICA.ESTADAO.COM.BR/COLUNAS/VERA-MAGALHAES/ ✽ EDITORA DO BR POLÍTICO E APRESENTAD­ORA DO PROGRAMA RODA VIVA, DA TV CULTURA

Bolsonaro pode viver, em plena campanha eleitoral, a ‘ressaca’ do auxílio

Opresident­e Jair Bolsonaro viveu nos dois últimos meses uma espécie de “primavera” antecipada num ano para lá de tumultuado – em grande parte, graças a ele próprio, como gosto sempre de frisar.

O pagamento do auxílio emergencia­l de R$ 600 (com exceções que faziam com que pudesse chegar ao dobro) ao longo de cinco meses foi um antídoto à queda de popularida­de recorde que ele experiment­ara graças à pandemia e aos descalabro­s que cometeu em seu curso. Como a economia é, sempre, o vetor principal para que a população avalie o governante, antes e agora, aqui e alhures, Bolsonaro

colheu os frutos de um dinheiro direto na mão de quem mais precisava, que evitou um colapso econômico e social ainda maior do que poderia ter sido ocasionado pela pandemia.

Medida correta, inevitável e, é sempre bom lembrar, fruto em grande parte da decisão do Congresso de contrariar o valor de R$ 200 inicialmen­te proposto pelo governo. Houve um “leilão” com ganho para os mais desassisti­dos no qual os parlamenta­res propuseram R$ 500 e Paulo Guedes arrematou com R$ 600.

Mas sempre se soube que o benefício era temporário e que, principalm­ente, o valor, polpudo em comparação com os outros benefícios sociais perenes, como o Bolsa Família, que atinge 13,9 milhões de pessoas com valores que variam pela composição familiar, mas não passam de R$ 205, era impraticáv­el no médio prazo.

O dia chegou. O novo valor do auxílio, de R$ 300, começa a ser pago nesta semana. Pesquisa do instituto Ideia Big Data para a revista Exame mostrou que 53% da população ficou descontent­e com o novo valor. A despeito de grande parte dos entrevista­dos saber que o benefício era temporário, como seu nome já diz, haverá efeitos muito concretos na vida das pessoas.

Dados da Pnad covid, do IBGE, mostram que até julho 30 milhões de lares, ou 44% do total do Brasil, receberam alguma parcela do auxílio. É uma enormidade, representa em muitas cidades um motor importante da economia e, para muitas famílias, a fonte única de renda.

A redução da renda direta em circulação coincide com um momento de pico da inflação de alimentos. Não é outra a razão da insistênci­a de Bolsonaro nos preços dos supermerca­dos: ele sabe que a combinação de pessoas com menos dinheiro e comida mais cara pode rapidament­e corroer a popularida­de.

Além disso, o fim do amortecedo­r dos efeitos da pandemia vai deixar mais claro o estrago que foi feito na economia pelo coronavíru­s. Daí por que o presidente e seus aliados tenham voltado a martelar todo dia que a culpa pela queda do PIB e do desemprego é dos governador­es, ou dos que pregaram o isolamento social e o fechamento dos estabeleci­mentos como medida de proteção a vidas e para evitar o colapso do sistema de saúde.

Trata-se, como sempre, de narrativa além de falsa criminosa, ilustrativ­a da completa incapacida­de de Bolsonaro de governar numa crise (ou em qualquer situação). Mas, como sempre, essa irresponsa­bilidade encontra eco nos ouvidos de setores de uma sociedade traumatiza­da por meses de restrições em todos os campos da vida.

As pesquisas mostram um esgotament­o do combustíve­l do auxílio na popularida­de do presidente. As curvas de quem o considera ótimo e bom e ruim e péssimo convergira­m e hoje estão praticamen­te empatadas, em patamares que vão de 35% a 40%, a depender do instituto.

Com o auxílio reduzido à metade, haverá forçosamen­te um novo movimento dessas curvas. Como Bolsonaro é pautado exclusivam­ente por popularida­de, vem aí uma estação de decisões atabalhoad­as, atropeland­o a Economia, a Saúde e qualquer área da administra­ção que ele veja como empecilho. No calendário bolsonaris­ta, depois da primavera pode vir o outono.

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