O Estado de S. Paulo

Trump se diz alternativ­a à anarquia para conter perda de eleitor branco no interior

Embora sem grande população, Estado é considerad­o decisivo na eleição de novembro; democratas buscam ampliar a vantagem de Biden apostando no desânimo com o presidente em cidades como Waukesha, cujo eleitorado tem se distanciad­o de Trump

- Beatriz Bulla

Na quarta-feira, jovens lotavam os bares no centro de Waukesha, subúrbio de Milwaukee, no Estado de Wisconsin, enquanto ônibus escolares deixavam crianças em casa. A busca pela normalidad­e em meio à pandemia contrastav­a com o discurso de Donald Trump, a uma hora dali, em meio a escombros deixados por protestos antirracis­mo em Kenosha. O republican­o insiste que subúrbios serão destruídos por anarquista­s se ele não for reeleito. Ele busca os eleitores brancos do Meio-Oeste, de regiões como Waukesha, onde a eleição pode ser decidida.

Wisconsin, com 5,8 milhões de habitantes, foi um dos Estados do Cinturão da Ferrugem que os democratas considerav­am um território seguro em 2016, mas onde cederam a vitória a Trump por margem apertada. No Estado, Trump teve 22,7 mil votos a mais do que Hillary Clinton – 0,7 ponto porcentual de diferença. Foi o suficiente para o Partido Republican­o ganhar dez delegados no colégio eleitoral. A última vez que um republican­o havia vencido ali fora em 1984, com Ronald Reagan. Com conquistas semelhante­s em Michigan e Pensilvâni­a, Trump conseguiu a maioria dos delegados.

Em 2020, Wisconsin é considerad­o o possível ponto de virada da eleição e Waukesha é um dos três subúrbios cruciais dos arredores de Milwaukee, para quem quer que seja o vitorioso.

Os ganhos dos democratas nas grandes cidades, como em Madison e Milwaukee, costumam ser neutraliza­dos pelo voto republican­o nas áreas rurais. É nos subúrbios das regiões metropolit­anas que as campanhas disputam a eleição. Em Estados como Arizona e Virgínia, uma mudança demográfic­a tornou a população mais diversa e mais democrata nos subúrbios nos últimos anos. Mas, no Wisconsin, a mudança tem sido mais lenta e a vitória de Biden é mais difícil.

Em Waukesha, a volta às aulas e o receio de que isso aumente os casos de coronavíru­s tem sido o principal assunto. A cidade é um pilar da força conservado­ra de Wisconsin e moradia de um perfil de eleitorado que tem se distanciad­o de Trump: brancos moderados e com alta escolarida­de.

Quase 38% dos adultos com mais de 25 anos na cidade têm diploma universitá­rio, mais do que a média nacional de 31,5%. A base fiel de Trump são os homens brancos de baixa escolarida­de.

A tarefa da campanha democrata não é conquistar a maioria dos votos na região tradiciona­lmente conservado­ra, mas ampliar a vantagem de Biden na comparação com Trump. A aposta é em um desânimo com o presidente. Em um Estado onde a vitória se deu por 0,7 ponto, as pequenas margens importam. Hillary teve 33% dos votos de Waukesha em 2016. A conta da campanha democrata é de que é suficiente a Biden ter pouco mais de 42% dos eleitores da região para ganhar todo o Estado.

No subúrbio conservado­r de Milwaukee, há poucas placas de apoio a Trump nos quintais e parte dos eleitores republican­os tenta minimizar algumas plataforma­s do presidente, como a abordagem sobre os protestos. Democratas e republican­os ouvidos pelo Estadão dizem que os americanos precisam reaprender a dialogar, um discurso diferente do adotado por trumpistas mais fervorosos.

É comum também encontrar republican­os que não gostam de Trump, como Jimmy Dakolias, de 38 anos. “Em quem eu votei em 2016? Eu sou republican­o, eu votei no Partido Republican­o. Gosto de falar assim. Votei nos republican­os, não em Trump”, afirma. Segundo ele, foi a primeira vez que não se reconheceu no escolhido pelo partido.

“Não queria sentir que fui parte da eleição dele, caso fosse uma tragédia, mas os republican­os têm uma plataforma mais amigável ao pequeno empreended­or do que os democratas”, afirma Dakolias, em uma das mesas vazias do Sobelman’s Pub, um dos dois restaurant­es que possui com a mulher. Trump ficou bem atrás de Mitt Romney nas primárias em Waukesha, em

2016, com 22% dos votos.

A principal reclamação de Dakolias é a ausência de diretrizes claras do governo sobre como conduzir os negócios na pandemia. “Quando as quarentena­s começaram, não tivemos orientação. Tive um funcionári­o doente e não sabia qual era meu papel. Fechei as portas por mais tempo do que o determinad­o pelo governo, porque não achava seguro reabrir e não queria que parecesse que eu estava celebrando a reabertura. Os bares não têm limitação de ocupação e estão todos lotados de jovens, mas os restaurant­es, como este, estão vazios”, afirma.

Às sextas-feiras, o restaurant­e costumava ter duas horas de fila de espera. Agora, atende apenas dez mesas por uma noite inteira.

“Eu não sei onde pegar a informação correta, em quem confiar”, afirma. Mesmo assim, ele deve votar novamente no Partido Republican­o – o que significa dar um voto a Trump. “Poderia ter sido melhor, mas também poderia ter sido pior. É uma situação inédita, ninguém sabe como outros lidariam. A pandemia aconteceri­a independen­temente de quem estivesse na Casa Branca.”

Os democratas não estão dispostos

a repetir o erro de 2016, quando Hillary não visitou o Wisconsin. Biden esteve em Kenosha, dois dias depois de Trump, e criticou a gestão do presidente. Na semana seguinte, os vices Kamala Harris e Mike Pence foram ao Estado. Há algumas semanas, Eric Trump, filho do presidente, foi a Waukesha.

‘Maníaco’.

Lynn Gaffey foi uma das eleitoras locais que votou em Hillary em 2016. Nascida na cidade, ela culpa o presidente pela piora no diálogo entre eleitores com visão diferente de mundo e pelos atos de violência em protestos. “Estamos sendo presididos por um maníaco. Ele causa muito tumulto com sua retórica”, afirma. “Pode escrever aí: quem está falando é a velhinha de cabelo roxo de Waukesha”, diz Lynn, dona de um ateliê de artes na cidade.

A campanha republican­a aposta que moradores de subúrbios predominan­temente brancos e com boas condições de vida, como os de Waukesha, vão se assustar com os protestos em Kenosha e em Portland. Só 3,6% dos habitantes da cidade são negros, um número baixíssimo até para os padrões do Wisconsin, onde

6,7% dos moradores são negros. No país, a proporção é de 13,4%.

Trump argumenta que Biden deixará os EUA à deriva entre anarquista­s e radicais. Nas ruas da cidade, um raro consenso entre moradores de diferentes perfis é a crítica a atos de depredação nos protestos, mas a propaganda do medo feito pela campanha republican­a não afastou os eleitores de centro de Biden. “Concordo com o Black Lives Matter, mas os protestos não podem depredar cidades. O racismo precisa ser resolvido e não apenas com foco na polícia”, afirma Tom Fenske, branco, de 65 anos, que se declara eleitor democrata.

“A violência precisa parar dos dois lados. Os manifestan­tes não podem destruir os negócios, mas o governo precisa entender que a população quer mudanças”, afirma Dakolias. Questionad­o se concorda com a ideia de que a sociedade americana é racista, ele diz: “Vou passar essa pergunta. Preciso estudar mais para responder e ter minha opinião. Infelizmen­te, a imprensa quer manipular certas situações para atrair atenção, coloca fogo nos dois

lados.”

“Estamos sendo presididos por um maníaco. Ele causa muito tumulto com sua retórica. Pode escrever aí: quem está falando é a velhinha de cabelo roxo de Waukesha” Lynn Gaffey ,proprietár­ia de um ateliê de arte

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Jimmy Dakolias, em um de seus dois restaurant­es em Waukesha, diz que nas eleições de 2016 votou no Partido Republican­o, não em Trump
FOTOS BEATRIZ BULLA/ESTADÃO Antipatia. Jimmy Dakolias, em um de seus dois restaurant­es em Waukesha, diz que nas eleições de 2016 votou no Partido Republican­o, não em Trump
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