Voto de milhares de despejados durante crise é cobiçado
Instituto aponta que 40 milhões de americanos podem perder casa; suspensão de despejos ganha apoio em Estados como Wisconsin
Na disputa contra o democrata Joe Biden, os 10 votos de Wisconsin no colégio eleitoral são considerados cruciais para a reeleição de Donald Trump. Em um Estado com disputa apertada entre democratas e republicanos, a escolha eleitoral de milhares de despejados em meio à pandemia de covid-19 pode ter um peso relevante.
Uma vez por dia, Michelle Williams estaciona seu carro em frente da casa onde morava, em Waukesha, a 25 minutos de Milwaukee, maior cidade de Wisconsin, carregando apenas uma carteira e um pote de xampu. Há quatro semanas, ela foi despejada, mas teve o aval dos moradores atuais para tomar banho no local enquanto não consegue pagar um novo aluguel. “Moro no meu carro”, disse, apontando para uma minivan cinza.
No dia 2, o Centro de Controle de Doenças (CDC), uma agência do Departamento de Saúde dos EUA, anunciou a proibição temporária dos despejos, com aval de Trump. A ordem vale até 31 de dezembro, mas, segundo especialistas, locatários de baixa renda seguem expostos ao risco.
A maioria dos despejos durante a pandemia, segundo dados do Eviction Data Lab, da Universidade de Princeton, foi por baixas quantias. Em Phoenix, no Arizona, 20% dos 1,7 mil casos de despejos em julho foram por menos de US$ 500. O fim do auxílio emergencial e a incerteza sobre as medidas de suspensão dos despejos na pandemia aumentam o risco de que casos como o de Michelle se repitam aos milhares.
Em agosto, especialistas publicaram um artigo no site do Aspen Institute no qual afirmam que entre 30 e 40 milhões de americanos corriam risco de não ter onde morar. Mesmo com uma economia pujante, o preço alto do aluguel sempre foi um problema das grandes cidades americanas, com altos índices de despejo. Com a recessão e o desemprego, em consequência do vírus, a previsão é de que a situação piore.
Um levantamento feito em 17 cidades pelo Eviction Data Lab mostra que os despejos se
“Eu já votei em republicanos e democratas, mas neste ano votarei em Trump. Ele nos entregou o auxílio da primeira vez e está trabalhando para nos entregar de novo. Ele tem se preocupado com os desempregados” Michelle Williams
DESPEJADA DURANTE A PANDEMIA
mantiveram abaixo da média nos meses de pandemia graças às medidas de contenção. Em julho, no entanto, a região de Milwaukee foi a única entre as analisadas a ter aumento de casos, depois que a proibição local expirou, em maio.
No mês seguinte, o Milwaukee Journal Sentinel, diário local, revisou os registros na Justiça e concluiu que havia 42% mais despejos nas duas primeiras semanas do mês, na comparação com o mesmo período de 2019.
“As intervenções de curto prazo estão ajudando, mas o problema pode ser maior do que o que estamos vendo. Mesmo a proibição dos despejos coloca muita responsabilidade sobre o locatário. Eles precisam saber que a ordem existe, entender como se qualificar e o locador precisa concordar. Sabemos que as pessoas acabam saindo antes de iniciar o processo formal de despejo”, disse Peggy Bailey, vice-presidente do Centro sobre Orçamento e
Prioridade Política, com sede em Washington.
O Eviction Data Lab registrou um pico nos despejos na semana anterior à aprovação da medida e agora aguarda novos dados para avaliar o impacto da medida do CDC. Os sinais iniciais, porém, são ruins. Uma pesquisa do governo americano feita em julho apontou que um terço dos locatários poderia não ter dinheiro para o aluguel em agosto.
“Estamos preocupados. A proibição de despejo é só um curativo, não resolve o problema. Com os salários baixos é difícil imaginar como as pessoas que perderam renda conseguirão pagar o aluguel a partir de janeiro e o acumulado do que ficarão devendo”, diz Peggy.
“O presidente precisa viabilizar o novo auxílio”, afirma Michelle, que era contratada para fazer a limpeza de agências bancárias em Waukesha por US$ 11 por hora, mas foi dispensada na pandemia. Com a volta gradual dos serviços, ela foi reempregada, mas com jornada reduzida.
A maioria das medidas de socorro econômico aos americanos, parte do pacote de US$ 2,2 trilhões anunciado no início da pandemia, expirou sem que o Congresso aprovasse um substituto. Em agosto, Trump atropelou os congressistas, após o colapso das negociações entre republicanos e democratas, e assinou decretos em apoio aos desempregados.
Apesar de os pagamentos serem mais baixos do que no início da pandemia, o presidente conseguiu vender a imagem de que trabalha pelos desempregados. “Eu já votei em republicanos e democratas, mas neste ano votarei em Trump. Ele nos entregou o auxílio da primeira vez e está trabalhando para nos entregar de novo. Ele tem se preocupado com os desempregados”, disse Michelle.
Impacto.
No entanto, para Mauricio Moura, professor da Universidade George Washington, a avaliação de que Trump personifica o auxílio a desempregados deve ter pouco impacto na eleição. “Esta eleição tem uma característica única: a quantidade de eleitores que mudam de voto é quase nula – de 5% a 6%. Há muito pouco espaço para convencimento. As campanhas estão focadas em conseguir maior participação da própria base”, afirmou. “A narrativa de que Trump é o pai do auxílio seria uma estratégia de convencimento, o que neste momento não faz diferença.”