O Estado de S. Paulo

Bolsonaro e o dólar caro

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Eis que o presidente Bolsonaro avisa que está preocupado com a alta do dólar e que vem consultand­o ministros e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre o que fazer para reverter essa alta. Foi o que revelou na quinta-feira em transmissã­o ao vivo pelas redes sociais.

A maior fonte de preocupaçõ­es do presidente não é a escalada do dólar, que já foi maior, mas o efeito da alta do câmbio sobre os preços dos alimentos e, portanto, sobre o encarecime­nto da cesta básica e, por tabela, sobre o estrago que esse resultado pode produzir sobre suas pretensões eleitorais.

Como foi analisado na Coluna da quinta-feira passada, o aumento abrupto dos preços dos alimentos não se deve apenas a um fator de custo (alta do dólar). Mas se deve, também, ao aumento de demanda, que tem como seu principal deflagrado­r a melhora momentânea do poder aquisitivo do consumidor de baixa renda, produzido pela distribuiç­ão do auxílio emergencia­l.

O aumento das cotações da moeda estrangeir­a (veja gráfico) puxou para cima os preços em reais das commoditie­s exportávei­s, especialme­nte as de grãos, que, por sua vez, encarecera­m os derivados (óleo de soja e rações animais, por exemplo), a carne e o arroz. Os gráficos dão uma ideia desse impacto.

Mas vamos ao que acontece no câmbio. Entre as moedas dos países emergentes, o real sofreu uma das maiores desvaloriz­ações em relação às moedas fortes, por algumas razões, que são apontadas a seguir.

O tombo dos juros é uma dessas razões. Um dos fatores que há anos vinham trazendo dólares para o Brasil ou os incentivan­do a permanecer por aqui era o regime de juros altos. Valia a pena, então, trazer moeda estrangeir­a do exterior, convertê-la em reais e aplicá-la no mercado financeiro. À medida que os juros reais (descontada a inflação) deslizaram para baixo, essa vantagem deixou de existir, mesmo levando-se em conta os juros negativos vigentes lá fora. Enquanto isso, exportador­es que vinham ganhando com a alta do dólar preferiram deixar seus recursos depositado­s no exterior e esperar pela maior desvaloriz­ação do real. E o câmbio acusou.

Mas não foi só isso. As cotações do dólar dispararam em reais também pela deterioraç­ão da qualidade das finanças públicas (questão fiscal), pela falta de liderança política, pelas trombadas que o governo vem dando no enfrentame­nto da pandemia e pela falta de empenho em produzir avanço nas reformas, especialme­nte na tributária e na administra­tiva. Ou seja, a principal explicação para a disparada do dólar é o baixo nível de confiança no governo.

Se é para fortalecer o real e, por conta disso, evitar o repique de custos sobre os preços dos alimentos, não será com apelos ao patriotism­o dos agentes do mercado – como Bolsonaro fez aos dirigentes dos supermerca­dos – que isso será obtido. A rigor há pouco o que o Banco Central possa fazer. As intervençõ­es no câmbio são as que estão sendo realizadas. Limitam-se a evitar forte volatilida­de nas cotações.

Se o presidente quer mesmo restabelec­er o nível de confiança e concorrer para a estabilida­de do câmbio, pode, por exemplo, mobilizar os recursos para tirar da imobilidad­e os projetos de reforma e mostrar mais empenho na obtenção de melhores resultados na administra­ção das contas públicas.

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