Longevidade demanda novas funções corporativas
Com mais profissionais 50+ no mercado, são propostos cargos como age adviser e conselheiro de aposentadoria
Todos os dias somos bombardeados com projeções que mostram o inevitável: estamos envelhecendo. A expectativa para o Brasil de 2050 é que 30% da população tenham mais de 60 anos. Se a sociedade fica mais velha, a força de trabalho envelhece junto. Ao desafio de incluir e reter talentos com mais de 50 anos de idade soma-se uma nova preocupação: como uma empresa cuida dos seus profissionais maduros?
Um levantamento organizado pela Fundação Dom Cabral Longevidade e pela Hype50+ (consultoria de marketing especializada em consumidores maduros), lançado na última semana, aponta oito carreiras que irão gerenciar a longevidade e a diversidade etária nas empresas nos próximos anos.
O conceito não é exatamente novo, mas ainda não é a realidade das empresas no Brasil. Em 2005, John A. Challenger, CEO da Challenger, Gray & Christmas (empresa norte-americana de recolocação executiva) já havia levantado algumas profissões que existiriam no futuro do trabalho. Agora, em 2020, alguns desses cargos já existem ao redor mundo, mas em sua maioria continuam sendo parte das tendências que ainda virão.
“No Brasil, ainda precisamos descobrir o que longevidade significa e o impacto dela para que as empresas comecem a adotar práticas. É algo que afeta todos mundialmente, mas em ritmos diferentes. Vamos precisar de profissionais que lidem com ela”, explica Michelle Queiroz, professora da Fundação Dom Cabral e coordenadora do projeto FDC Longevidade.
Com base nas previsões de Challenger e em sua própria atuação profissional, a consultora de diversidade etária Márcia Tavares ajudou na definição desses “futuros” cargos e profissionais (leia quadro abaixo).
Márcia explica que nos países que envelheceram primeiro, como Austrália e Inglaterra, alguns desses cargos já fazem parte da realidade. Já no Brasil, uma função que tem aparecido nos últimos anos é a do conselheiro de aposentadoria.
“Ela geralmente aparece sob o nome de coach de carreira especializado nos 50+. Mas normalmente são profissionais que trabalham por conta própria”, conta ela.
O que acontece hoje, segundo Márcia, é que, em muitos casos, profissionais de recursos humanos acabam acumulando as responsabilidades de mais de um desses cargos.
“Se hoje a gente tem uma pessoa de diversidade absorvendo várias questões além do aspecto etário, provavelmente no futuro ela será mais demandada e a empresa vai precisar de alguém que tenha um olhar mais aprofundado para o público acima de 50 anos”, destaca.
Contratação. A criação desses cargos também é um dos motores para inserir e reter profissionais com mais de 50 anos no mercado, o que hoje ainda é um desafio. Apesar do aumento da longevidade, o preconceito geracional empurra os profissionais para fora das empresas.
“De um modo geral, o nosso mercado ainda tem medo de tratar essas questões. No Japão, por exemplo, já vemos empresas que contratam pessoas de 80 anos, então quando a gente fala no Brasil que profissionais acima de 45 anos já se sentem prejudicados é ilógico. Nós vamos precisar de trabalhos que acompanhem a nova mudança etária. A jornada do colaborador vai ter que ser repensada para a longevidade”, explica Layla Vallias, cofundadora do Hype50+, que conduziu o estudo.
Quem começou a repensar o modelo de trabalho sabe que a adesão é gigante. Em 2019, o shopping RioMar Recife criou um programa de empregabilidade para pessoas acima de 55 anos com 20 vagas disponíveis e recebeu 5 mil currículos. Já a seguradora Tokio Marine começou com a seleção de profissionais acima dos 50 anos em 2017 e teve 400 candidatos por vaga.
Há três anos, a companhia aérea Gol criou o Experiência na Bagagem, programa de contratação de profissionais maduros. Na primeira edição, e com divulgação apenas entre os colaboradores, a empresa recebeu 10 mil candidaturas. Hoje, 13% dos funcionários têm mais de 50 anos e atuam em áreas variadas, como no atendimento nos aeroportos, no call center (modalidade home office) e na tripulação.
O comissário Marcelo Nunes, de 52 anos, ficou desempregado aos 49 anos, depois de 20 anos de experiência na aviação. “Quando perdi meu emprego aos quase 50 anos, eu achei que era o fim para mim. Eu me sentia apto, plenamente capaz de executar as minhas funções. Uma das empresas em que eu tentei a recolocação me disse para eu não comparecer no processo seletivo porque eles já estavam com muitas pessoas mais capacitadas”, conta. “Eu já tinha 20 anos de experiência, falo quatro idiomas e fui dispensado ainda na fase de análise de currículo. Para mim, ficou bem evidente que a idade era um problema.”
Marcelo já havia desistido de procurar emprego quando um amigo lhe indicou o processo da Gol. “Foi saber sobre o programa voltado aos profissionais maduros que me fez achar que eu tinha chance e que eu iria além da seleção de currículos.” Hoje, ele está há dois anos como comissário na empresa.
“Desde a criação do programa, em todo processo seletivo que temos selecionamos talentos maduros. É super importante um profissional que tem 55 anos de idade trabalhando com alguém que tem 25. Aí temos uma mistura intergeracional. Com a experiência, esses profissionais maduros nos ajudam na formação e no desenvolvimento das novas gerações que estão na organização”, destaca o diretor-executivo de Gente e Cultura da Gol, Jean Carlo Nogueira.