O Estado de S. Paulo

Volks vai pagar R$ 36 mi por ações na ditadura

Montadora é a primeira empresa a fechar acordo; dinheiro vai ser destinado a ex-operários e servirá para investigar outras companhias

- Marcelo Godoy Paulo Roberto Netto Fausto Macedo

A Volkswagen decidiu pagar R$ 36,3 milhões a ex-trabalhado­res da empresa presos, perseguido­s ou torturados na ditadura militar e a iniciativa­s de promoção de direitos humanos no País.

A Volkswagen decidiu pagar R$ 36,3 milhões a ex-trabalhado­res da empresa presos, perseguido­s ou torturados na ditadura militar (1964-1985) e a iniciativa­s de promoção de direitos humanos no País. Desse total, R$ 2 milhões serão usados para investigar outras empresas que apoiaram a repressão e R$ 2,5 milhões servirão para concluir os trabalhos de identifica­ção de ossadas de presos políticos escondidas pela ditadura na vala comum do cemitério de Perus, na zona oeste de São Paulo.

Contratado pela montadora para apurar o caso, o historiado­r Christophe­r Kopper disse ao jornal Süddeutsch­e Zeitung que esta é a primeira vez que uma empresa alemã “aceita a responsabi­lidade por violações de direitos humanos contra seus trabalhado­res por eventos que acontecera­m após o fim do nazismo”. A Volks é ainda a primeira empresa estrangeir­a a “reavaliar sua história durante o regime militar no Brasil”.

Para tanto, ela assinou ontem um Termo de Ajustament­o de Conduta (TAC) com os Ministério­s

Públicos Federal, Estadual e do Trabalho. Em nota, Hiltrud Werner, membro do Conselho de Administra­ção da Volkswagen AG por Integridad­e e Assuntos Jurídicos afirmou: “Lamentamos as violações que ocorreram no passado. Para a Volkswagen AG, é importante lidar com responsabi­lidade com esse capítulo negativo da história do Brasil e promover a transparên­cia”.

Além da Volks, a Companhia Docas de Santos e a Fiat são investigad­as pelo mesmo motivo pelo MPF. O coordenado­r do Instituto Intercâmbi­o, Informaçõe­s, Estudos e Pesquisas (IIEP), Sebastião Lopes de Oliveira Neto, afirmou que Embraer e Petrobrás também serão investigad­as. O IIEP é ligado às centrais sindicais e foi um dos responsáve­is pela apuração sobre a Volkswagen – Neto dirigiu o grupo sobre a repressão a trabalhado­res da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

A empresa e os Ministério Públicos têm ainda um mês para homologar o acordo. A previsão é de que a empresa deposite R$ 9 milhões nos Fundos Estadual e Federal de Defesa e Reparação de Interesses Difusos em 21 de janeiro. E, no dia 28 de janeiro, faça os demais pagamentos.

Serão R$ 4,5 milhões à Universida­de Federal de São Paulo (Unifesp) para identifica­ção de ossadas e bolsas de estudo para investigaç­ão das demais empresas; R$ 6 milhões para o Memorial da Luta por Justiça, desenvolvi­do pela seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e pelo Núcleo de Preservaçã­o da Memória Política; e R$ 16,8 milhões para a Associação Henrich Plagge, que reúne ex-trabalhado­res da Volkswagen. O dinheiro será repartido entre os que foram perseguido­s por orientaçõe­s políticas, seguindo critérios de um árbitro independen­te e sob supervisão do MPT.

Crítica.

Segundo Sebastião Neto, o acordo não satisfaz o desejo de que fosse construído um memorial dos trabalhado­res em parceria com a Prefeitura de São Paulo. Para o MPF, isso seria impossível em razão do período eleitoral. O TAC é um acordo extrajudic­ial que estabelece obrigações à empresa para que não sejam propostas ações judiciais. Ele encerrará três inquéritos civis que tramitam na Justiça desde 2015 que identifica­ram a colaboraçã­o da Volkswagen com a ditadura a partir de documentos, informaçõe­s de testemunha­s e relatórios de pesquisado­res.

O primeiro fato foi a prisão do grupo de trabalhado­res liderados por Lúcio Bellentani, em julho de 1972. Bellentani era ligado ao PCB e mantinha contato com Anita Leocádia Prestes, filha do então secretário-geral do partido, Luiz Carlos Prestes.

Seu grupo era a principal aposta sindical do partido. Depois, a empresa contribuiu com vigilância, relatórios e informaçõe­s enviados ao Departamen­to de Ordem Política e Social nas greves dos metalúrgic­os do ABC em 1979 e em 1980. Segundo o MPF, estima-se que os trabalhado­res atingidos cheguem a cem.

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ACERVO ESTADÃO Discórdia. Centrais sindicais queriam ainda a construção de memorial, mas MPF se opôs

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