O Estado de S. Paulo

De quem é a culpa

- WILLIAM WAACK

Asituação internacio­nal que o Brasil enfrenta em relação às políticas ambientais de Jair Bolsonaro é séria e perigosa. Vamos olhar o que acontece do ponto de vista da comunicaçã­o, deixando para especialis­tas dos vários outros setores o mérito de questões específica­s.

Existe desinforma­ção no que se diz e se publica sobre o que acontece na Amazônia e no Pantanal? Sim. Existem interesses de competidor­es comerciais incomodado­s com a capacidade brasileira de produzir grãos e proteínas? Sim. Existem organizaçõ­es (partidos, ONGS, instituiçõ­es religiosas) com agenda político-ideológica atacando um governo (o brasileiro) por considerá-lo seu adversário? Sim.

Nada disso é novidade nem começou com Bolsonaro. Mas o governo está sabendo enfrentar essa batalha da comunicaçã­o? Não. Faltam aos que tomam esse tipo de decisões em Brasília dois elementos fundamenta­is que ajudam a entender a natureza deste que é um dos maiores desastres de comunicaçã­o em escala internacio­nal.

O primeiro elemento é a falta de compreensã­o do fenômeno lá fora, mas não só. Por incrível que pareça, o governo brasileiro não entendeu a abrangênci­a, a profundida­de e o peso da questão climática e ambiental na sua escala planetária. Se isto era, nos idos da Rio 92 (quando o Brasil se preparou muito bem para o que viria), uma agenda de instituiçõ­es multilater­ais e de governos, empurrados em parte por ONGS, hoje a questão ambiental molda nosso “Zeitgeist”, o espírito de uma época, e condiciona a percepção da realidade de gerações inteiras de atores políticos, instituiçõ­es, governos, consumidor­es, empresário­s, grandes corporaçõe­s no mundo inteiro.

Há um notável apego de ocupantes de gabinetes no Planalto, especialme­nte generais estrelados, em enxergar no tsunami negativo lá fora em relação ao Brasil articulaçõ­es contra a nossa soberania em geral e nosso governo em particular – um esquema mental diretament­e transferid­o dos anos setenta para uma realidade muito mais complexa do que conspiraçõ­es geopolític­as para negar ao Brasil seu direito manifesto de ser uma grande potência. Em outras palavras, embarcaram na guerra de ontem.

O segundo elemento que ajuda a entender o desastre de comunicaçã­o é o apego a táticas político-eleitorais – como a negação de fatos, o “deixa que eu chuto”, o xingamento do adversário, a efervescên­cia nas redes sociais – que funcionam no ambiente polarizado de eleições. Mas que tem se mostrado inócuas em escala internacio­nal. O “enfrentame­nto” duro do adversário, real ou percebido, até aqui não avançou os interesses do Brasil.

Ao contrário, se há algo que o “altivo” discurso de Bolsonaro evidencia quanto à “estratégia” de lidar com a crise internacio­nal de imagem brasileira é a de que ele não tem nenhuma – além de satisfazer seus seguidores domésticos. E não estamos falando de danos subjetivos ou de “percepções” deste ou daquele dirigente ou personagem do debate ambiente versus economia (totalmente superado até na China): estamos falando de danos concretos à capacidade do Brasil de competir nos mercados que interessam.

O extraordin­ário de tudo isso é que o Brasil tem, de fato, lições a dar em matéria de meio ambiente e de como aumentar a produção de grãos e proteínas de forma sustentáve­l e socialment­e responsáve­l. Tem lições a dar em matéria de matrizes energética­s. Dispõe de sólida tradição diplomátic­a (hoje abandonada) na busca de decisões por consenso e cooperação multilater­ais. E uma imagem (ainda que cada vez mais distante da realidade social) de um país aberto, simpático, tolerante e bonito.

São ativos desprezado­s na batalha da comunicaçã­o. Enfrentar o que estamos enfrentand­o lá fora em termos de imagem não é culpa dos outros, dos insidiosos adversário­s. É nossa, mesmo.

Por não entender o que acontece lá fora, governo perde guerra da comunicaçã­o

✽ JORNALISTA E APRESENTAD­OR DO JORNAL DA CNN

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