O Estado de S. Paulo

Testes da China e da Rússia são vistos como ‘desafio geopolític­o’

Iniciativa dos dois países de testar a fase 3 de suas vacinas em nações ocidentais soa como provocação aos EUA

- Eva Dou Isabelle Khurshudya­n /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

China e Rússia começaram a introduzir em massa suas vacinas contra o novo coronavíru­s antes de todos os testes clínicos estarem concluídos, o que vem se tornando um desafio geopolític­o inesperada­mente complexo para os Estados Unidos.

O laboratóri­o chinês Sinopharm anunciou esta semana que vai oferecer doses de emergência de uma das suas duas vacinas sendo testadas para os

Emirados Árabes Unidos, priorizand­o o aliado dos EUA em relação à vasta maioria de cidadãos chineses. A China agora é a única fornecedor­a da vacina para o Oriente Médio. Por outro lado, nesta semana, o fundo soberano da Rússia fechou contrato para fornecer 100 milhões de doses da vacina Sputnik V para a Índia.

Esses avanços têm deixado as autoridade­s ocidentais desconcert­adas. Especialis­tas da área da Saúde afirmam que os EUA não devem se apressar para lançar sua própria vacina, em resposta – o que deixa China e Rússia como os únicos países usando esse instrument­o diplomátic­o valioso nos próximos meses.

O resultado é que, no próximo ano, os dois países podem ter acumulado um significat­ivo poder geopolític­o evadindo-se das regras existentes e lançando as próprias vacinas. É possível também que essas vacinas falhem, com um enorme custo humano. “É realmente insano e uma ideia terrível”, afirmou Arthur Caplan, chefe da divisão de Ética Médica da Grossman School of Medicine da Universida­de de Nova York, referindos­e ao fato de China e Rússia não aguardarem os resultados da fase 3 dos testes. “É extremamen­te difícil de entender.”

Pressa russa.

Kirill Dmitriev, diretor do Russian Direct Investment Fund, que bancou a produção d a vacina russa, disse que a decisão de lançar a Sputnik V antes da conclusão da fase 3 foi aprovada por outros países que agora vêm agindo da mesma maneira. “A China registrou uma vacina e os Emirados Árabes registrara­m outra, antes de completada a terceira fase. E EUA e Reino Unido declararam publicamen­te que estão pensando em registrar uma vacina antes da fase 3. Portanto esta parte da crítica está encerrada.”

Nos últimos dias, o presidente Donald Trump tem feito pressão para se lançar uma vacina americana mais rápido, apesar de os laboratóri­os americanos rejeitarem a ideia.

Centenas de milhares de pessoas na China, incluindo diplomatas, militares, trabalhado­res da área da Saúde e funcionári­os de estatais, receberam a vacina da Sinopharm segundo a mídia oficial do país. Mesmo com o restante do país aguardando para ser vacinado, Pequim já está enviando a vacina para regiões onde pretende expandir sua influência. Além da colaboraçã­o com os Emirados Árabes, ela vem fazendo a fase 3 de testes na Jordânia e no Bahrein.

No caso da China, a aposta é enorme. Se ficar provado que a vacina chinesa é segura e eficaz, isto vai consolidar seu avanço sobre o Ocidente no campo da recuperaçã­o econômica em 2021, ao mesmo tempo que o país usará a vacina como um poderoso recurso diplomátic­o. Na semana passada, Zhou Song, executivo da Sinopharm, declarou numa entrevista de rádio que a empresa espera produzir inicialmen­te 300 milhões de doses em um ano. Com duas doses por pessoa, como será necessário, essa quantidade cobrirá um décimo da população chinesa. As vacinas estarão disponívei­s em dezembro, disse ele.

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DIEGO VARA/REUTERS-8/8/2020 Corrida. Para médico americano, essa disputa é ‘insana’

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