Testes da China e da Rússia são vistos como ‘desafio geopolítico’
Iniciativa dos dois países de testar a fase 3 de suas vacinas em nações ocidentais soa como provocação aos EUA
China e Rússia começaram a introduzir em massa suas vacinas contra o novo coronavírus antes de todos os testes clínicos estarem concluídos, o que vem se tornando um desafio geopolítico inesperadamente complexo para os Estados Unidos.
O laboratório chinês Sinopharm anunciou esta semana que vai oferecer doses de emergência de uma das suas duas vacinas sendo testadas para os
Emirados Árabes Unidos, priorizando o aliado dos EUA em relação à vasta maioria de cidadãos chineses. A China agora é a única fornecedora da vacina para o Oriente Médio. Por outro lado, nesta semana, o fundo soberano da Rússia fechou contrato para fornecer 100 milhões de doses da vacina Sputnik V para a Índia.
Esses avanços têm deixado as autoridades ocidentais desconcertadas. Especialistas da área da Saúde afirmam que os EUA não devem se apressar para lançar sua própria vacina, em resposta – o que deixa China e Rússia como os únicos países usando esse instrumento diplomático valioso nos próximos meses.
O resultado é que, no próximo ano, os dois países podem ter acumulado um significativo poder geopolítico evadindo-se das regras existentes e lançando as próprias vacinas. É possível também que essas vacinas falhem, com um enorme custo humano. “É realmente insano e uma ideia terrível”, afirmou Arthur Caplan, chefe da divisão de Ética Médica da Grossman School of Medicine da Universidade de Nova York, referindose ao fato de China e Rússia não aguardarem os resultados da fase 3 dos testes. “É extremamente difícil de entender.”
Pressa russa.
Kirill Dmitriev, diretor do Russian Direct Investment Fund, que bancou a produção d a vacina russa, disse que a decisão de lançar a Sputnik V antes da conclusão da fase 3 foi aprovada por outros países que agora vêm agindo da mesma maneira. “A China registrou uma vacina e os Emirados Árabes registraram outra, antes de completada a terceira fase. E EUA e Reino Unido declararam publicamente que estão pensando em registrar uma vacina antes da fase 3. Portanto esta parte da crítica está encerrada.”
Nos últimos dias, o presidente Donald Trump tem feito pressão para se lançar uma vacina americana mais rápido, apesar de os laboratórios americanos rejeitarem a ideia.
Centenas de milhares de pessoas na China, incluindo diplomatas, militares, trabalhadores da área da Saúde e funcionários de estatais, receberam a vacina da Sinopharm segundo a mídia oficial do país. Mesmo com o restante do país aguardando para ser vacinado, Pequim já está enviando a vacina para regiões onde pretende expandir sua influência. Além da colaboração com os Emirados Árabes, ela vem fazendo a fase 3 de testes na Jordânia e no Bahrein.
No caso da China, a aposta é enorme. Se ficar provado que a vacina chinesa é segura e eficaz, isto vai consolidar seu avanço sobre o Ocidente no campo da recuperação econômica em 2021, ao mesmo tempo que o país usará a vacina como um poderoso recurso diplomático. Na semana passada, Zhou Song, executivo da Sinopharm, declarou numa entrevista de rádio que a empresa espera produzir inicialmente 300 milhões de doses em um ano. Com duas doses por pessoa, como será necessário, essa quantidade cobrirá um décimo da população chinesa. As vacinas estarão disponíveis em dezembro, disse ele.