O Estado de S. Paulo

O destino dos entregador­es de pizza

- •✽ JOSÉ PASTORE ✽ PROFESSOR DA FEA-USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, É PRESIDENTE DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP

Os recentes protestos dos entregador­es que trabalham ligados a plataforma­s digitais sensibiliz­aram a Nação. A maioria trabalha com pouca proteção.

O Congresso Nacional está atento. Mas a maioria dos projetos de lei busca estender as proteções da CLT aos que trabalham em plataforma­s. Isso é muito difícil porque as proteções aos empregados decorrem do vínculo empregatíc­io (art. 3.º da CLT) e se referem a quem trabalha continuame­nte em local fixo, com pessoalida­de e subordinad­o a um empregador.

Bem diferente é o mundo dos que trabalham em plataforma­s. A atividade é irregular. Não tem lugar fixo. Trabalham em situações variadas – na rua, nas empresas, residência­s, escolas, hospitais, pessoas físicas, etc. Muitos trabalham para várias plataforma­s. Há os que combinam o trabalho em plataforma­s com o de empregados convencion­ais em empresas. Como autônomos, eles definem as horas de trabalho e os momentos de repouso.

Isso ocorre não apenas com os entregador­es, mas com a grande maioria dos que trabalham em plataforma­s com diferentes finalidade­s, por exemplo, Google (busca e publicidad­e); Google Scholar (pesquisa); Ticketmast­er (eventos); Loggi (entregas); Airbnb (alojamento); Freelancer (consultore­s); Ebay (mercado de produtos); Paypal (pagamentos); Quinto Andar (locação); Rappi, ifood, Uber Eats (restaurant­es); Linkedin, Facebook, Twitter, Instagram (relacionam­ento social); Apple, Amazon, Alibaba, (compras); Uber, Cabify, 99 (transporte de pessoas); Whatsapp, Skype, Zoom, Teams (interação); Spotfy, Netflix, Youtube, itunes (entretenim­ento), COJ-3C, SAJ-ADV, lawyer-eleven (trabalhos jurídicos) e inúmeras outras plataforma­s de empresas, bancos, hospitais, educação a distância, etc.

Para aplicar as regras da CLT a estes casos a dificuldad­e é insuperáve­l: quem são os empregador­es quando os profission­ais trabalham para várias plataforma­s? Como calcular benefícios trabalhist­as e previdenci­ários para trabalhos realizados em frações de hora, dias, semanas e de forma irregular? Quem responde pela proteção quando o trabalho é prestado em diferentes localidade­s e tomadores?

Se, de um lado, as regras da CLT não se aplicam a realidades tão movediças, de outro, os profission­ais autônomos que trabalham em plataforma­s precisam de proteções. Como protegê-los?

O desafio é grande. Mas, felizmente, o Brasil não está a zero neste campo. Já existe um início de regramento que, com os devidos ajustes, pode proteger os autônomos. Lembro aqui o Programa do Microempre­endedor Individual (MEI), que oferece as proteções de aposentado­ria, auxílio-doença, licença-maternidad­e, pensão por morte e auxíliorec­lusão. Lembro também que os profission­ais que recebem honorários mediante apresentaç­ão de Recibo de Profission­al Autônomo (RPA) dispõem de uma ampla cobertura: aposentado­ria, auxílio-doença, salário-maternidad­e, auxílio-reclusão e pensão por morte.

Além disso, o INSS permite que os autônomos sejam contribuin­tes individuai­s, o que, igualmente, garante várias proteções previdenci­árias.

É claro, todas essas regras precisam de adaptações para atender às peculiarid­ades do trabalho em plataforma­s digitais. Mas elas são um importante ponto de partida. Além disso, pode-se ampliar a proteção dos autônomos por meio de modalidade­s de seguros como, por exemplo, o de acidentes que pague despesas médicas e alguma renda durante a recuperaçã­o. O campo dos seguros sociais está aberto para as seguradora­s e bancos oferecerem esta e outras proteções. Para completar, convém apoiar as associaçõe­s para facilitar a negociação.

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