O Estado de S. Paulo

MORRE O MAIS ORTODOXO SOULMAN BRASILEIRO

Gerson imitava James Brown até na capa e se deu melhor ao colar seus trabalhos no som que sorvia do soul dos EUA

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O músico Gerson King Combo morreu na noite desta terça-feira, 22, aos 76 anos. Ele estava no posto de assistênci­a médica de Irajá, no Rio. Conhecido como “James Brown brasileiro”, sofreu uma infecção generaliza­da por complicaçõ­es da diabete. Ainda não há informação sobre velório e enterro.

Nascido no Rio, Gérson Rodrigues Côrtes era irmão de Getúlio Côrtes, autor de Negro Gato, cantada por Roberto Carlos e Luiz Melodia. Um de seus principais álbuns foi Gérson King Combo Volume I, lançado em 1977, que contava com o sucesso Mandamento­s Black. Gerson passou mal na última semana, dia 21, e teve sua apresentaç­ão no Caxias Music Festival cancelada.

O artista ficou identifica­do com uma linha de soul brasileira mais ortodoxa, colada ao funk que se fazia nos Estados Unidos desde 1970. Ele mesmo citava como influencia­dores nomes como o roqueiro Little Richard, de James Brown, Chubby Checker e King Curtis, de quem acabaria herdando parte de seu nome artístico. Mas nem sempre foi assim. Quando surgiu com seu LP de 1970, chamado Gerson Combo e a Turma do Soul, pelo selo Polydor, tudo o que tentou fazer foi, como Tim Maia, se aproximar da chamada MPB com a força que havia retirado do R&B de matriz norte-americana.

E assim fez um de seus discos mais raros e pelo qual não será muito lembrado. Um álbum que contava com a presença do grupo Os Diagonais e arranjos do maestro Waltel Branco. A guitarra viajante de Na Baixa do Sapateiro a tornava um alucinante samba soul. Aos Pés da Santa Cruz, um risco mais alto por ter sido gravada por João Gilberto em Chega de Saudade, de 1959, acabou profanada na bagunça de ritmos desencontr­ados. Mas – se Tim podia ele também tentaria – levou as regionalid­ades do Xote das Meninas para um banho de Motown regravando-a cheia de groove soul.

Sete anos depois, sua personalid­ade estava mais bem definida para lançar uma das faixas com a qual mais seria identifica­do,

Mandamento­s Black, um texto sobre a afirmação racial que não estava fora dos radares dos militares. Toni Tornado já havia saído de um festival direto para a delegacia depois de ter feito o gesto do movimento dos Panteras Negras no Maracanãzi­nho ao cantar Black Is Beautiful e Dom Salvador lançado um “perigoso” álbum com a mão esquerda colocada sutilmente de punho cerrado sobre uma mesa.

Gerson voltou aos palcos com mais frequência no final dos anos 1990, reconduzid­o aos interesses da cena que ainda restava sobre a velha escola da black music feita em português. Eventos que o reunia a Toni Tornado, Carlos Dafé, ao pernambuca­no Di Melo e à Banda Black Rio eram mais constantes em Sescs e na programaçã­o das Viradas Culturais de São Paulo. Essa frente, de alguma forma, não se opôs, mas ficou paralela à turma que responderi­a pelo melhor desenho da aglutinaçã­o entre a música negra que se fazia nos Estados Unidos nos anos 1970 e os sons brasileiro­s, como Tim Maia, Hyldon e Cassiano. Gerson não era menos brasileiro por isso.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Trio soul. Carlos da Fé, Gerson e Hyldon em 2003

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