O Estado de S. Paulo

Investidor segue arredio

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Capital externo anda arisco, mas ainda cobre o déficit das transações correntes do País.

Mais cauteloso que em outros tempos, o investidor estrangeir­o anda arisco e isso já se reflete nas contas externas do Brasil. O investimen­to direto, aquele destinado à atividade empresaria­l, diminuiu de US$ 9,52 bilhões em agosto de 2019 para US$ 1,43 bilhão em agosto deste ano. O total acumulado em 2020 ficou em US$ 26,96 bilhões. Um ano antes chegou a US$ 46 bilhões. Com a pandemia, os donos do capital têm procurado os destinos mais seguros, mesmo com a perspectiv­a de ganhos menores. Mas no Brasil há algo mais que a covid-19 e seus efeitos econômicos. O governo também assusta os investidor­es.

Grandes fundos têm evitado o mercado brasileiro por causa da política ambiental, ou antiambien­tal, do presidente Jair Bolsonaro. Outros investidor­es fogem dos ativos locais por causa da inseguranç­a sobre o futuro das contas públicas. De tempos em tempos alguém ligado ao governo reafirma a promessa de seriedade fiscal. A repetição dessa conversa torna mais sensível o ambiente de incerteza. Quem mais justifica a desconfian­ça em relação ao futuro das finanças públicas é o presidente Jair Bolsonaro, ostensivam­ente concentrad­o em seus objetivos pessoais.

Quando aumenta o susto, aplicadore­s deixam papéis negociados no mercado local e trocam reais por dólares. Esse movimento é visível na forte instabilid­ade cambial. A moeda brasileira tem sido uma das mais depreciada­s neste ano, embora a crise tenha assolado todos os países emergentes. Quem acompanha a rotina do mercado financeiro está acostumado: a abertura dos negócios é precedida, no início de manhã, por algum comentário sobre a tendência do dólar. Esse comentário é com frequência associado à inseguranç­a em relação ao governo.

A inquietaçã­o aparece com maior clareza no movimento de capitais de curto prazo, destinados a operações mais especulati­vas e mais fáceis de reverter. Em agosto entraram US$ 2,36 bilhões – valor líquido – nas carteiras de papéis negociados no mercado interno. Foram US$ 2 bilhões aplicados em títulos de dívida e US$ 357 milhões para compras de ações. O resultado no mês foi positivo, mas houve saídas líquidas de US$ 28,46 bilhões no ano e de US$ 43,40 bilhões em 12 meses.

Capitais especulati­vos são mais instáveis que investimen­tos diretos. Além disso, quem os aplica está muito menos comprometi­do com o desenvolvi­mento do País. Mas o dia a dia do mercado financeiro e de capitais depende crucialmen­te de recursos desse tipo. Entradas e saídas desses capitais também mexem com o câmbio. Isso pode afetar custos de produção e, no limite, a inflação enfrentada pelo consumidor, como se tem observado recentemen­te no Brasil.

Apesar do menor ingresso de recursos e da instabilid­ade cambial, as contas externas permanecem razoavelme­nte seguras. Mas seria um erro atribuir esse fato ao vigor e à eficiência da economia nacional. Ao contrário: a situação do balanço de pagamentos é em grande parte explicável pela pandemia e pela recessão.

Em agosto, houve superávit de US$ 3,72 bilhões nas transações correntes. Foi o quinto mês consecutiv­o com resultado no azul, uma anomalia. As transações correntes são formadas pela balança comercial de bens, pela conta de serviços (com destaque para fretes, viagens e seguros) e pelas contas de rendas, divididas em primárias (como lucros, dividendos e juros) e secundária­s (principalm­ente remessas pessoais).

O comércio de bens encolheu, mas o saldo aumentou para US$ 31,87 bilhões em oito meses, porque as importaçõe­s diminuíram mais que as exportaçõe­s. O superávit continuou sustentado pelo agronegóci­o, o setor mais eficiente, com vendas externas ainda crescentes. As demais contas também foram afetadas pela pandemia e pela recessão, com menos viagens ao exterior, por exemplo, e menor remessa de lucros.

Feito o balanço geral, nos 12 meses até agosto o déficit em transações correntes ficou em US$ 25,445 bilhões e foi facilmente financiado com investimen­to direto de US$ 54,46 bilhões. Um ano antes, esse investimen­to, já em queda, havia chegado a US$ 79,13 bilhões.

Capital externo anda arisco, mas ainda cobre o déficit das transações correntes

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