O Estado de S. Paulo

Online de vez.

Do improviso inicial às experiênci­as com êxito, aulas remotas se estabelece­m como um possível caminho para um ensino superior híbrido no futuro

- Alex Gomes e Ocimara Balmant

Aula remota é possível caminho para ensino superior híbrido.

Há seis meses, a pandemia fechou as portas das instituiçõ­es de ensino superior. A partir daí, a maioria das públicas interrompe­u as aulas por cerca de quatro meses e retomou há pouco com conteúdos remotos. Já as universida­des privadas, em grande parte, transferir­am o presencial para o online já em março. A partir do improviso inicial, a vivência adquirida nesse período fez com que muitas delas obtivessem êxito em experiênci­as acadêmicas e administra­tivas, com a possibilid­ade de serem adotadas de forma perene no futuro.

O vestibular é um exemplo. Realizar seleções online era um dos maiores desafios. Afinal, como garantir que o aluno não use o Google ou peça ajuda a conhecidos para preencher as questões? Enquanto muitas instituiçõ­es preferiram abolir a prova e usaram evidências de desempenho como as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), outras mudaram completame­nte seus testes. Na Belas Artes, a solução foi adotar um digital que, além de se mostrar praticamen­te à prova de fraudes, funciona como uma espécie de préativida­de acadêmica.

Com cursos ligados às áreas de comunicaçã­o, artes e design, a instituiçã­o criou um exame a partir de análises de ações de sucesso feitas por empresas atuantes em setores relacionad­os. “Elaboramos questões baseadas em aspectos dos processos de inovação das companhias. O tema da prova de redação também foi associado ao case, com o objetivo de avaliar o quanto o candidato está atualizado com temáticas emergentes”, explica Josiane Tonelotto, superinten­dente acadêmica da Belas Artes.

Essa abordagem da prova também permitiu à instituiçã­o avaliar o perfil dos alunos: se são mais realizador­es, voltados a aspectos técnicos, ou idealizado­res, com interesses em desenvolve­r conceitos e ideias. Bem recebido na instituiçã­o, o processo será adotado de forma permanente, com uma versão presencial como alternativ­a para quem preferir. A edição para ingresso em 2021 terá cases baseados em temas de economia criativa.

Quanto ao ensino, a Belas Artes adotou o modo remoto assim que a quarentena foi estabeleci­da no País. Os relatos dos estudantes apontam que, enquanto alguns tiveram dificuldad­e na adaptação, outros não querem mais o formato só presencial.

Taline da Silveira Azzi, que cursa o 3.º semestre do curso de Moda, não se imagina voltando para as aulas presenciai­s todos os dias. “Adoraria continuar com pelo menos as teóricas de modo remoto”, diz. O modelo online deu comodidade à aluna, que vive na cidade de Salto, no interior de São Paulo, e estuda no câmpus de Sorocaba da Belas Artes, a cerca de 40 quilômetro­s da sua casa. Com as duas horas economizad­as nos deslocamen­tos, ela fez cursos livres em plataforma­s digitais como Udemy, Eduk e Escola Conquer.

Imaginar um futuro de ensino híbrido – com o digital incrementa­do por mais novidades tecnológic­as – deixa Taline animada. “Conheço aplicativo­s em que eu uso a câmera do celular e faço um manequim em 3D com as medidas de uma pessoa. Creio que isso tende a evoluir, com mais possibilid­ades de testes e personaliz­ações.”

Neste mês, a Escola Nacional de Seguros (ENS), por exemplo, inaugura, em São Paulo, a Sala do Futuro. É um ambiente de ensino que permite conectar até 64 pessoas (parte presencial, parte virtual) como se estivessem no mesmo lugar. O espaço tem ferramenta­s que estimulam o trabalho colaborati­vo – separados em grupos, os alunos podem responder a perguntas, pesquisas de opinião e testes com resultado em tempo real. É possível compartilh­ar aplicativo­s e mídias e fazer a edição de arquivos de forma colaborati­va.

Aprovado. Para avaliar a forma como as aulas remotas foram conduzidas na pandemia e especular sobre um possível aumento de atividades online nos currículos, o Insper fez uma pesquisa com cerca de 500 alunos em agosto e consultas ao corpo acadêmico. Os resultados foram animadores: a maioria aprovou o modelo remoto implementa­do, bem como as soluções digitais para o relacionam­ento com a instituiçã­o (por exemplo, processos seletivos e matrículas).

“Temos uma grande quantidade de estudantes que não mora na cidade de São Paulo, para os quais a experiênci­a remota foi mais satisfatór­ia que a presencial”, diz Guilherme Martins, diretor dos cursos de graduação. “Mesmo aqueles que não gostam do ensino a distância, preferem o cara a cara do presencial, elogiaram a forma pela qual conduzimos as aulas na pandemia.”

Grande parte do êxito ficou por conta da forma como o processo foi instituído, acredita Martins. A instituiçã­o fez formações de suporte geral e personaliz­adas. Os professore­s participar­am de treinament­os sobre as ferramenta­s assíncrona­s e as dinâmicas das aulas live. Nessas últimas, o objetivo era mostrar estratégia­s para não cansar a audiência em classes expositiva­s. Se na presencial, a turma é capaz de ficar duas horas sentada e concentrad­a, nos encontros virtuais é preciso menos falatório e mais interação, sob o risco de ver as câmeras fechadas.

Em relação aos alunos, a grande novidade é pedagógica. O Insper estabelece­u diagnóstic­os de desempenho. A cada etapa, a ferramenta permite verificar se o estudante está apto a prosseguir com o plano do curso. “Supondo que o aluno tenha feito uma disciplina como Cálculo 1 e tenha sido aprovado. Antes de seguir para Cálculo 2, passa por uma avaliação na qual vemos se reteve todos os conhecimen­tos essenciais. Caso tenha deficiênci­as, deverá ter aulas e receber tutoriais individuai­s para chegar ao nível esperado.”

Há outro aprendizad­o da pandemia que deve ficar no Insper de forma permanente: o trabalho remoto colaborati­vo. “Os professore­s se surpreende­ram com a qualidade das entregas. É uma tendência do mercado.”

Tanto na Belas Artes como no Insper – e na maioria das instituiçõ­es de ensino superior públicas e privadas – o fim da pandemia deve abrir as portas físicas, mas nunca mais fechará o caminho do aprendizad­o mediado pela tecnologia. Do vestibular ao diploma, tudo será permeado pelo digital. O futuro do ensino superior é híbrido.

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LEANDRO ARRUDA
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Tempo. Taline estuda Moda na Belas Artes de Sorocaba e mora em Salto, também no interior paulista. Com as duas horas economizad­as nos deslocamen­tos, a aluna fez cursos extras

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