O Estado de S. Paulo

Um governo irrelevant­e

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

OMEC continuará irrelevant­e, quando é mais necessário. Nada surpreende­nte. Tudo à imagem e semelhança do chefe.

Oministro da Educação, Milton Ribeiro, disse, em espantosa entrevista ao Estado, que temas como a volta às aulas em meio à pandemia de covid-19 e a dificuldad­e de muitos alunos pobres de acompanhar aulas a distância por limitações técnicas não dizem respeito ao MEC. “A lei é clara. Quem tem jurisdição sobre escolas são o Estado e o município. Não temos esse tipo de interferên­cia. Se eu começo a falar demais, (governador­es e prefeitos) dizem que estou querendo interferir; se eu fico calado, dizem que se sentem abandonado­s”, declarou o ministro.

De fato, a lei é clara: no artigo 211 da Constituiç­ão está escrito que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarã­o em regime de colaboraçã­o seus sistemas de ensino”. Ou seja, a interpreta­ção dada pelo ministro Milton Ribeiro ignorou a obrigatori­edade da colaboraçã­o entre os entes da Federação, resguardad­os os princípios federativo­s. O MEC não pode simplesmen­te lavar as mãos como sugeriu o ministro. Deve, ao contrário, como parte do governo federal, coordenar-se com os entes federados para superar tão graves desafios, que prejudicam a educação brasileira há muitos anos. Se isso não é tema para o MEC, é difícil saber qual seria a serventia desse Ministério.

Mas a atitude do ministro Milton Ribeiro não surpreende, num governo cujo próprio presidente da República frequentem­ente rejeita as responsabi­lidades inerentes a seu cargo. O presidente Jair Bolsonaro vive a dizer, por exemplo, que nada pode fazer em relação aos esforços para conter a pandemia de covid-19 nos Estados e municípios porque foi impedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que é uma grossa mentira – mas muito convenient­e.

Dentro da estratégia demagógica bolsonaris­ta, o presidente tratou a pandemia como coisa sem importânci­a, e as medidas de isolamento social adotadas pelos Estados como parte de uma conspiraçã­o para prejudicar seu governo. Na verdade, Bolsonaro queria poder total para ordenar o relaxament­o das medidas, em nome de alegados imperativo­s econômicos. Quando o STF lhe negou esse poder, por ser inconstitu­cional, passou a posar de defensor dos pobres que precisavam trabalhar e, segundo dizia, estavam sendo impedidos por governador­es inescrupul­osos e por juízes inconseque­ntes.

Agora é a vez dos estudantes: “Não tínhamos por que fechar as escolas, mas as medidas restritiva­s não estavam mais nas mãos da Presidênci­a da República. Por decisão judicial, elas competiam exclusivam­ente aos governador­es e prefeitos”, declarou recentemen­te Bolsonaro.

Em vez de assumir seu papel como chefe do Poder Executivo federal, responsáve­l pela articulaçã­o dos entes subnaciona­is e pela negociação com o Congresso especialme­nte em tempos de crise, o presidente Bolsonaro preferiu o caminho fácil do populismo e da irresponsa­bilidade – que lhe parece natural, dado seu histórico na política. Age assim tanto em relação à pandemia como em relação a todo o resto: sem ter qualquer ideia do que é governar e do que pretende para o País, ausenta-se do debate das grandes questões nacionais e espera viver do lucro eleitoreir­o de ações demagógica­s e, no mais das vezes, desimporta­ntes.

É com esse espírito que trabalha seu ministro da Educação. Na entrevista, Milton Ribeiro disse que “são o Estado e o município que têm de cuidar disso aí” e “não foi um problema criado por nós”, referindo-se à desigualda­de educaciona­l que afeta estudantes sem acesso à internet. Ao mesmo tempo, pareceu muito mais preocupado com a orientação sexual dos alunos, tema que mobiliza a militância bolsonaris­ta nas redes sociais, do que com seu bem-estar e seu aprendizad­o em meio à pandemia.

Assim, o MEC – que já está em seu terceiro ministro – continuará irrelevant­e, justamente no momento em que é mais necessário. Nada surpreende­nte, num governo em que o Ministério da Saúde se ausenta em plena pandemia e em que o Ministério do Meio Ambiente se omite em meio a queimadas e ao avanço do desmatamen­to, entre outras barbaridad­es. Tudo à imagem e semelhança de seu chefe.

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