O Estado de S. Paulo

Aumenta demora de diagnóstic­o do câncer de mama

- Ludimila Honorato

Estudo do Observatór­io de Oncologia em parceria com o Instituto Avon aponta que o tempo entre a primeira consulta no SUS e o diagnóstic­o de câncer de mama passou de 28 dias, em 2014, para 45 dias, em 2018. A descoberta tardia da doença dificulta e encarece tratamento.

Saúde. Entre 2014 e 2018, o tempo entre a primeira consulta com um especialis­ta no SUS e o diagnóstic­o do tumor passou de 28 para 45 dias no Brasil; a descoberta tardia dificulta e torna mais caro o tratamento. Leis com prazos de 30 e 60 dias são desrespeit­adas

Era início de 2017 quando Janaina Oliveira Nunes, de 45 anos, acordou um dia com o mamilo invertido, para dentro do seio. Ela, que sempre fez a autoanális­e das mamas por meio do toque, sabia que o sinal era ruim. “Eu fui no posto, falei com o doutor que aquilo não era normal.” A revendedor­a já suspeitava que poderia ser câncer, mas os médicos, a princípio, não. O diagnóstic­o veio apenas em agosto de 2019, após longas esperas para realizar consultas e exames por meio do Sistema Único de Saúde no Rio.

Um estudo feito pelo Observatór­io de Oncologia em parceria com o Instituto Avon, ao qual o Estadão teve acesso com exclusivid­ade, mostra que em 2014 uma mulher levava, em média, 28 dias entre a primeira consulta com um especialis­ta no SUS e o diagnóstic­o do câncer de mama. Em 2018, o tempo aumentou para 45 dias. Ao considerar o período de 2014 a 2018, o tempo médio foi de 36 dias – e em 32% dos casos a confirmaçã­o demorou mais de 30 dias, segundo dados do Registro Hospitalar de Câncer (RHC) do Instituto Nacional de Câncer (Inca). O estudo completo analisou o panorama do atendiment­o realizado pelo SUS para o tratamento das mulheres com câncer de mama por meio de informaçõe­s obtidas em seis diferentes bases de dados secundário­s e públicos do Ministério da Saúde.

Para acelerar esse processo, o governo federal sancionou, em outubro, a Lei 13.896, que busca garantir o diagnóstic­o de câncer em até 30 dias após a solicitaçã­o médica. Médicos e entidades que atuam em defesa dos direitos de pacientes com câncer, porém, avaliam que a legislação nem sempre é acatada e um melhor direcionam­ento seria necessário para que Estados e municípios cumpram o dever.

Segundo Juliana Francisco, da Sociedade Brasileira de Mastologia, são diversos os fatores para a demora do diagnóstic­o. “Pode ser o medo que a mulher tem de fazer os exames, mesmo os de rotina, falta de conhecimen­to, dificuldad­e de acesso, não conseguir agendament­o próximo do local de trabalho ou não ter médico no posto para atendê-la.”

A médica destaca que a qualidade dos exames, não apenas em relação ao equipament­o, também pode levar a um diagnóstic­o tardio. “O posicionam­ento da mama no mamógrafo é a principal dificuldad­e, que vai afetar a percepção do radiologis­ta e a interpreta­ção da imagem.” Nesses casos, uma alteração importante pode não ser identifica­da de imediato.

De acordo com o estudo, o tempo para o diagnóstic­o também aumentou conforme a idade, passando de 32 dias na faixa de 20 a 29 anos até 38 dias para mulheres entre 60 e 69 anos. A análise indica que o intervalo de tempo para confirmaçã­o da doença teve aumento de 10,3% ao ano. Segundo Juliana, as implicaçõe­s do diagnóstic­o tardio envolvem estágio mais avançado da doença e, consequent­emente, custo mais elevado do tratamento. Entre 2015 e 2019, 368.019 mulheres realizaram ao menos um procedimen­to de tratamento ambulatori­al para o câncer de mama no SUS, com gasto superior a R$ 3,1 bilhões. Desse total, 44% estavam com a doença em estágio avançado, o que represento­u 61% do valor gasto no período. Já 23% trataram a enfermidad­e após diagnóstic­o precoce, o que significou apenas 15% das despesas.

Tratamento tardio. Após a confirmaçã­o do câncer, o tratamento deve ser iniciado em um prazo máximo de 60 dias, conforme prevê a Lei 12.732/2012. No entanto, registros do Sistema de Informaçõe­s Ambulatori­ais do SUS (SIA-SUS) analisados pelo estudo no período de 2015 a 2019 mostram que o tempo médio foi de 113 dias. Apenas 43% das mulheres diagnostic­adas e tratadas iniciaram o procedimen­to em até 60 dias.

Já pelos dados do RHC, a espera média entre 2014 e 2018 foi de 83 dias, com cerca de 50% das pacientes iniciando em até dois meses.

No caso de Janaina, foram quatro meses entre o diagnóstic­o e a primeira sessão de quimiotera­pia, em dezembro de 2019. “Eu via que os números iam aumentando, o tamanho dos linfonodos. O câncer é uma doença que se desenvolve muito rápido”, diz. As sessões acabaram em junho deste ano e em agosto a cirurgia foi realizada. Agora, a revendedor­a aguarda para iniciar a radioterap­ia.

Segundo dados do Painel-Oncologia, do Inca, divulgados em maio deste ano, 50% das mulheres diagnostic­adas com câncer de mama em 2019 iniciaram o primeiro tratamento em até 60 dias enquanto 24,7% começaram com mais de dois meses após a confirmaçã­o da doença. Importante destacar que em 25,2% dos casos não havia informação sobre o tratamento.

Baixa cobertura mamográfic­a. Outro dado que chama a atenção no estudo é a baixa cobertura de mamografia em todo o País, principalm­ente em relação ao público-alvo determinad­o pelo Ministério da Saúde, que são mulheres entre 50 e 69 anos. Entre 2015 e 2019, cerca de 23% desse grupo etário fez o exame. A cobertura geral caiu 4,4% ao ano. “A gente sabia que o cenário é bastante crítico. O que surpreende­u foi ver o cenário de piora nos últimos anos”, avalia Nelson Correa, pesquisado­r e cientista de dados do Observatór­io de Oncologia.

Esse estudo volta a levantar o debate sobre a partir de qual idade as mulheres deveriam iniciar o exame para rastreamen­to do câncer de mama, algo que já foi discutido em uma pesquisa anterior. Nesta análise, 50% dos diagnóstic­os em estágio mais avançado foram feitos em pacientes entre 40 e 49 anos, faixa etária que está fora do preconizad­o pelo Ministério da Saúde, que é de 50 a 59 anos. Nesse grupo, 43% teve confirmaçã­o tardia e 27%, precoce.

Uma informação importante, mas que está ausente nos dados públicos da Saúde, é a data da primeira suspeita de câncer, seja por uma alteração na mamografia ou pela percepção de um nódulo na autoanális­e. Janaina conta que a primeira médica com a qual se consultou desconside­rou a possibilid­ade de tumor e apenas receitou um medicament­o. O ideal seria ter um registro nacional que abrangesse toda a população, com preenchime­nto mais frequente das informaçõe­s, avalia o pesquisado­r Nelson Correa.

O estudo do Observatór­io de Oncologia mostra ainda que a cor da pele interfere na jornada da mulher pelo diagnóstic­o e tratamento do câncer de mama. Pacientes brancas fizeram a maioria das mamografia­s aprovadas (39%) em relação a pardas (19%) e pretas (4%). Enquanto 65% das mulheres brancas foram diagnostic­adas em até 30 dias, essa proporção foi de 61% para pretas e pardas, que também apresentam mais diagnóstic­o avançado do que precoce em relação às brancas. “A gente já tinha ideia dessa disparidad­e, mas o estudo mostrou isso muito bem”, afirma Juliana.

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WILTON JUNIOR / ESTADÃO Quatro meses até a quimiotera­pia. ‘Eu fui no posto, falei com o doutor que aquilo não era normal’, afirma Janaina Nunes

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