O Estado de S. Paulo

A queda da população carcerária

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Entre os efeitos causados pela pandemia de covid-19, destacase a redução da população carcerária no Estado de São Paulo. Em maio de 2019, o sistema prisional paulista abrigava 234 mil pessoas. Entre o fim de agosto e início de setembro deste ano, o número havia caído para 216 mil. A redução de 18 mil presos foi a maior registrada nos últimos sete anos.

Até certo ponto, essa queda já era esperada. Quando a pandemia começou, em março, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou aos juízes criminais de todo o País que autorizass­em a soltura de presos em situação de risco. O Tribunal de Justiça de São Paulo, que sempre teve uma relação tensa com esse órgão, indeferiu a maior parte dos pedidos de soltura e de conversão em prisão domiciliar para os presos em situação de risco. Contudo, a Defensoria Pública recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e foi vitoriosa.

A determinaç­ão do CNJ foi duplamente acertada. Por um lado, ao reduzir os riscos de contágio, diminuiu a tensão em todo o sistema prisional. Por outro lado, evitou uma explosão de infecções e mortes, decorrente da falta de ações clínicas e epidemioló­gicas preventiva­s no sistema prisional, que poderiam gerar uma onda de rebeliões e motins. Segundo dados do Ministério da Justiça, cerca de 62% das mortes de pessoas encarcerad­as no sistema prisional brasileiro são causadas por doenças altamente contagiant­es, como HIV, sífilis e tuberculos­e.

Além disso, em decorrênci­a da política de isolamento social adotada pelo governador João Doria Júnior, e que atingiu os setores industrial, comercial e de serviços, parte significat­iva da população ficou em casa. E isso levou a criminalid­ade a se retrair tanto na capital e na Região Metropolit­ana de São Paulo como no interior e na Baixada Santista.

Entre janeiro e julho de 2020, o número de pessoas presas em todo o Estado pela polícia paulista baixou 25,2%, com relação ao mesmo período no ano passado. No primeiro semestre deste ano, a polícia efetuou um total de 95 mil prisões, ante 127 mil no primeiro semestre de 2019 – ou seja, cerca de 32 mil a menos. No mês de maio, em plena pandemia, foram presas 1,8 mil pessoas, ante 19,3 mil no mesmo período no ano passado.

Segundo os registros mensais da área de segurança pública, as reduções mais acentuadas ocorreram justamente em abril e maio, meses em que o avanço do novo coronavíru­s foi mais intenso. Nas duas semanas posteriore­s à data de início da política de isolamento, os crimes de furto despencara­m de 27,4 mil para 9,6 mil – uma queda de 17,8 mil casos. Já os crimes patrimonia­is tiveram uma redução de 65%, no mesmo período.

Ainda que o governo paulista afirme que já vinha detectando uma redução nos registros de crimes desde o segundo semestre do ano passado, a redução da população carcerária de 18 mil presos, número maior do que o de encarcerad­os em pelo menos 16 das unidades da Federação, tem de ser examinada com extremo cuidado. Esses números não significam que a criminalid­ade caiu, que o problema da superlotaç­ão dos estabeleci­mentos penais está sendo equacionad­o e que houve uma efetiva melhoria da política de segurança pública.

Embora algumas autoridade­s da área afirmem dispor de estudos que não preveem um aumento abrupto da criminalid­ade em todo o Estado de São Paulo quando a pandemia passar, a redução aqui registrada é passageira. O mesmo fenômeno foi registrado em vários outros países que também adotaram políticas de isolamento social. Tanto neles como em São Paulo, os especialis­tas em violência urbana e as organizaçõ­es não governamen­tais que atuam na área penal são menos otimistas do que as autoridade­s de segurança pública. Prudenteme­nte, eles lembram que, quando a pandemia do novo coronavíru­s passar, os indicadore­s de criminalid­ade quase certamente retornarão aos níveis anteriores dos meses pré-pandemia e a população carcerária voltará a subir.

Redução do número de presos reflete política de isolamento social em SP e é momentânea

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