Informação é a chave para melhorar a vida de quem tem EM
Lançamento de guia inédito reforça a importância do diagnóstico precoce e mapeia os principais desafios aos cuidados
A esclerose múltipla (EM) é uma doença crônica e progressiva, uma das síndromes neurológicas mais comuns no mundo¹*. No Brasil, estima-se que a prevalência seja de 15 casos para cada 100 mil habitantes, atingindo cerca 35 mil pessoas. “Estamos falando de uma doença autoimune, ou seja, ela surge quando o sistema de defesa ataca partes do próprio organismo, provocando inflamações”, explica o neurologista Felipe Von Glehn, professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB).
No caso, a agressão é contra uma membrana chamada bainha de mielina, que recobre os neurônios e é importante na transmissão de impulsos elétricos do sistema nervoso¹. “Quando inflama, o cérebro passa a apresentar disfunções de acordo com as áreas atingidas, podendo afetar a visão, os movimentos de pernas e braços ou alterar a sensibilidade de uma parte do corpo”, descreve o neurologista. Podem ocorrer ainda tremores, comprometimento no controle da urina e confusão mental¹. “Esses episódios vão e vêm, em ondas. É o que chamamos de surto e remissão. Isso acontece porque quando tem uma inflamação o corpo se defende. É como se ocorresse um incêndio, e o bombeiro vai apagar o fogo”, compara. O problema é que com a repetição dos surtos o organismo já não consegue reagir, e a doença entra em progressão.
Daí a importância de se fazer o diagnóstico o mais cedo possível, até porque a EM costuma surgir em adultos jovens¹, em plena capacidade produtiva, e o atraso nos cuidados, além de afetar a qualidade de vida da pessoa e de sua família, traz impactos sociais e econômicos para essa população, bem como para o sistema de saúde do País.
A disseminação de conhecimento sobre a EM é a chave para transformar a vida dessa comunidade. Essa estratégia ganha agora o apoio do Guia de Discussão sobre Esclerose Múltipla no Brasil – Juntos para um Novo Futuro, apresentado ontem durante webinar Diálogos Estadão Think. Idealizada pela Biogen, a publicação foi construída com a colaboração de profissionais de saúde, associações de pacientes, sociedades médicas e gestores de saúde. “O guia tem uma linguagem acessível e é um instrumento importante para vencer barreiras, a começar pela do diagnóstico”, diz Sumaya Afif, advogada da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem). “Hoje ainda há um intervalo de em média três anos entre as primeiras suspeitas e a confirmação da doença, e a demora em iniciar o tratamento pode levar a sequelas irreversíveis, diminuindo a força de trabalho da pessoa e onerando o sistema previdenciário do País”, complementa.
Uma das dificuldades para o diagnóstico da EM é que seus sintomas são variados e muitas vezes inespecíficos, podendo ser confundidos com os de outras doenças¹.“Os exames de imagem vieram agilizar o processo. A questão é a dificuldade de acesso a eles”, pondera Felipe Von Glehn. Segundo dados inéditos apresentados no guia, para realizar uma ressonância magnética, capaz de fazer uma análise minuciosa do cérebro, pacientes precisam se deslocar em média mais de 40 quilômetros. Na região Norte do País, onde há uma carência maior de equipamentos, chegam-se a percorrer mais de 160 quilômetros para fazer o exame.
Vencida a etapa do diagnóstico, outro desafio é oferecer ao paciente um plano terapêutico individualizado. O manejo da doença exige um conjunto de medidas que atenda necessidades específicas. Além de levar em conta a resposta de cada um ao tratamento medicamentoso para aliviar sintomas e retardar a progressão da doença¹, o ideal é que entre em cena uma equipe multidisciplinar, com foco em reabilitação. Se a pessoa já tem uma sequela instalada, vai precisar de uma fisioterapia, por exemplo. Se tiver um déficit de atenção, deve ter o acompanhamento de um neuropsicólogo. “Não dá para pensar só numa ponta; tem que haver uma integração de políticas que consigam equalizar todas as demandas”, defende Sumaya Afif.
É preciso humanizar o cuidado. Isso exige conversas francas e diretas com os tomadores de decisão do Ministério da Saúde para articular melhores condições para esses pacientes” Sumaya Afif, advogada da Abem