O Estado de S. Paulo

Em livro, Mandetta acusa Bolsonaro de negacionis­mo

- Valmar Hupsel Filho

Dos problemas enfrentado­s no Ministério da Saúde durante a pandemia do novo coronavíru­s, o ex-ministro Henrique Mandetta aponta o que, na sua opinião, foi o principal: a postura negacionis­ta do presidente Jair Bolsonaro. Segundo Mandetta, se o presidente adotasse protocolos estabeleci­dos pela pasta para preparar o sistema público de Saúde, o Brasil não estaria entre os países com o maior número de vítimas da doença.

“Poderia ter sido diferente, para melhor”, disse Mandetta, que lança hoje o livro Um paciente chamado Brasil, no qual relata os últimos 87 dias de sua gestão. No período, passou a ser a principal voz na defesa do isolamento social como forma de atenuar efeitos da pandemia, ao contrário do que pregava o presidente.

O livro, segundo ele, foi escrito na quarentena de seis meses imposta a ministros que deixam o governo. Ao analisar as decisões políticas, faz mea-culpa e critica a Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS) por relutar em classifica­r a covid-19 como emergência sanitária mundial.

O foco principal das críticas, no entanto, é Bolsonaro, descrito como alguém em negação diante do agravament­o da doença. “Primeiro ele negou a gravidade da covid-19, falando que era só uma ‘gripezinha’. Depois ficou com raiva do médico, ou seja, de mim. Depois partiu para o milagre, que é acreditar na cloroquina”, escreve.

Mandetta relata que, antes mesmo do primeiro caso no País, tentou por diversas vezes apresentar dados, projeções e medidas de prevenção a serem tomadas. Mas, segundo ele, o presidente “sempre arranjava um jeito de não participar”. Nas reuniões ministeria­is, afirma, não tinha espaço para falar.

Segundo o ex-ministro, Bolsonaro só viu os dados em uma ocasião, em 28 de março – o País registrava 92 óbitos por covid-19. Mandetta diz que apresentou três projeções, de 30 mil a 180 mil mortes por covid-19 no País.

“Depois de eu ter ficado por uma hora e meia oferecendo todos os elementos que provavam a gravidade do problema, ele mostrou que não estava nem um pouco convencido”. Naquele dia, Bolsonaro disse: “Infelizmen­te, algumas mortes terão. Paciência”. No dia seguinte, o presidente foi a Taguatinga e provocou aglomeraçã­o ao circular pelo comércio local.

Medidas. Mandetta diz que, naquela reunião, os demais ministros já estavam convencido­s de que o presidente não deveria seguir pelo caminho da negação. Mas, como exemplo de que o governo negligenci­ou medidas de prevenção, relata que o chefe do Gabinete de Segurança Institucio­nal, Augusto Heleno, participou da reunião 10 dias após ser diagnostic­ado com covid-19 – ignorando o protocolo de 14 dias de quarentena.

O Brasil registrou ontem mais de 139 mil óbitos por covid – o que aproxima o País da estimativa mais pessimista feita pela pasta da Saúde em março.

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DIDA SAMPAIO/ESTADAO - 3/4/ 2020 Obra. Livro foi escrito na quarentena imposta a ex-ministros
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