O Estado de S. Paulo

Sob pressão, governo federal altera portaria sobre aborto

Ultrassono­grafia foi abolida, mas se manteve notificaçã­o à polícia; especialis­tas criticam e STF adia análise

- BRASÍLIA / MATEUS VARGAS, RAFAEL MORAES MOURA, THIAGO FARIA e DANIEL WETERMAN

O Ministério da Saúde alterou a portaria em que obrigou médicos e profission­ais de saúde a notificare­m a polícia ao atenderem vítimas de estupro que desejam realizar um aborto legal. A mudança ocorreu na véspera de o Supremo Tribunal Federal iniciar o julgamento de uma ação que contesta a norma e após críticas de especialis­tas e parlamenta­res, que ameaçavam derrubar a medida no Congresso.

A análise do caso na Corte foi adiada pelo ministro Ricardo Lewandowsk­i.

Pela nova redação, publicada na edição desta quinta-feira do Diário Oficial da União, a portaria ainda prevê que médicos informem as autoridade­s policiais, mas sem a palavra “obrigatóri­a”, que constava na primeira versão da norma. A medida é recomendad­a nos “casos em que houver indícios ou confirmaçã­o do crime de estupro”. Na nova portaria, o Ministério da Saúde cita projeto aprovado em 2018 que torna a ação penal relacionad­a a crime sexual contra vulnerável “pública incondicio­nada”, ou seja, independe da denúncia feita pela vítima.

Para Gabriela Rondon, advogada e pesquisado­ra da Anis –

Instituto de Biotética, a atualizaçã­o da portaria mantém o maior entrave para acesso aos procedimen­tos: exigência de notificar a autoridade policial. Para ela, a norma segue ilegal. "A portaria cria confusão entre o sigilo profission­al do médico e a orientação de informar o sistema de polícia. Dificulta o acesso à saúde. É inconstitu­cional."

A avaliação da advogada é de que há desconheci­mento, por parte do governo, sobre a “dinâmica da violência doméstica, sexual e de gênero”. “As mulheres, quando não buscam denunciar, sabem o porquê de fazerem isso. Muitas vezes o agressor é alguém próximo. Ela pode estar sob ameaça, viver com o agressor, ser dependente dele. Não é simples denunciar.”

Outra alteração na norma feita pelo Ministério da Saúde foi no trecho que determina que os profission­ais de saúde devem “informar acerca da possibilid­ade de visualizaç­ão do feto ou embrião por meio de ultrassono­grafia, caso a gestante deseje, e essa deverá proferir expressame­nte sua concordânc­ia, de forma documentad­a”. Esta parte foi totalmente suprimida na nova versão da portaria.Para especialis­tas,

Defesa de Bolsonaro

“Não vai de pronto acreditand­o a qualquer custo na internet, dá uma pesquisa”, disse o presidene em sua live ontem, destacando que o aviso à polícia nos casos de aborto está mantido. a regra representa­va uma forma de “maus-tratos” às vítimas de estupro e tinha o objetivo de convencê-las a não realizar o aborto legal

A professora de Direito Constituci­onal da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV Direito SP) Eloísa Machado de Almeida afirmou que mesmo após as alterações a medida continua a ser irregular e deverá ser derrubada pelo Supremo. “A nova portaria segue transforma­ndo médicos em delatores e mulheres vítimas em investigad­as.”

Pressão. Em reunião com senadores na semana passada, realizada a portas fechadas, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi pressionad­o a fazer alterações na portaria. A norma chegou a ser classifica­da como “completame­nte ilegal” pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na época em que foi publicada.

Mas as mudanças também não agradaram a aliados de Jair Bolsonaro. Pelo Twitter, o blogueiro Allan dos Santos, do site governista Terça Livre, atacou Pazuello e deu a entender que rompeu com Bolsonaro. “Quando um PSOL da vida força o STF é uma coisa. Quando um MINISTRO DO PRESIDENTE @jairbolson­aro facilita o ABORTO é INADMISSÍV­EL.” Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que as alterações foram feitas após “contribuiç­ões técnicas para adequação da portaria”. “A normativa mantém o apoio e a segurança jurídica aos profission­ais de saúde envolvidos no procedimen­to.”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil