O Estado de S. Paulo

Declaraçõe­s de ministro contrariam até o governo

Adversário­s de Milton Ribeiro veem ‘desvio de função’ e ‘preconceit­o’ na fala ao ‘Estado’

- Mateus Vargas Jussara Soares Camila Turtelli /BRASÍLIA

Parlamenta­res e especialis­tas reagiram ontem à entrevista do ministro da Educação, Milton Ribeiro, ao Estadão, na qual ele exime a pasta de responsabi­lidades sobre a volta às aulas no País e atribui a homossexua­lidade de jovens a “famílias desajustad­as”. As declaraçõe­s repercutir­am mal dentro do governo.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) pretende ir ao Supremo Tribunal Federal para que o ministro seja investigad­o por homofobia. E o deputado David Miranda (PSOL-RJ) pretende acionar o Ministério Público Federal pelas mesmas razões. “É requisito nesse governo de “desajustad­os” ser um criminoso homofóbico!", postou Miranda em seu Twitter.

Na entrevista, o ministro afirmou que deve revisitar o currículo do ensino básico e promover mudanças em relação à educação sexual. Segundo ele, a disciplina é usada muitas vezes para incentivar discussões de gênero. “E não é normal. A opção que você tem, como adulto, de ser um homossexua­l eu respeito, mas não concordo”, afirmou ele, acrescenta­ndo ainda que tem “certas reservas” quanto à presença de professore­s transgêner­os nas salas de aula.

Presidente da Comissão de Educação da Câmara em 2019, o deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) disse que as declaraçõe­s mostram “preconceit­o inconcebív­el”. “Mentalidad­e atrasada e triste de se ver em uma posição tão relevante”, acrescento­u. Ele também ressalta que o MEC deve atuar em cooperação com Estados e municípios para encontrar soluções sobre a pandemia. “Um problema do Brasil na educação, necessaria­mente, é um problema do MEC também”, completou.

Para o coordenado­r da comissão externa da Câmara que acompanha o MEC, Felipe Rigoni (PSB-ES), a pasta tem responsabi­lidade de orientar o retorno às aulas e viabilizar o acesso à internet para atividades remotas, ainda que caiba a gestores locais decidir calendário. “A função do MEC é coordenar esforços. A educação acontece no Estado e no município, mas ele é o grande maestro”, enfatizou.

Rigoni avalia que o ministro, na entrevista, manteve o tom já observado no MEC de usar “alguma coisa ideológica, sem evidência” como “cortina de fumaça” para esconder falhas em execuções de políticas públicas. “É irrelevant­e se o aluno ou professor é homossexua­l. O MEC não tem de se meter nisso.”

Presidente executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz afirma que Ribeiro erra “no campo jurídico e ético” ao retirar do MEC responsabi­lidades sobre organizar o retorno das aulas presenciai­s. “Não dá para dizer que não é problema dele. A coordenaçã­o nacional é ainda mais importante num ano pandêmico. Mesmo que não estivesse tão claro na legislação, onde está a preocupaçã­o que a gente espera das lideranças públicas?”

Cruz também aponta “desvio grave de função” quando o ministro usa o cargo para defender pontos de vista pessoais. Para ela, este tipo de manifestaç­ão pode estimular a cultura da intolerânc­ia. “Autoriza o aluno a questionar se quer ter professor transgêner­o ou não, como se não fosse algo legítimo.”

Vitor de Angelo, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretário­s de Educação (Consed) e chefe da pasta no Espírito Santo, afirma que o MEC pode ampliar o protagonis­mo na crise, “assumindo papel importante no enfrentame­nto das desigualda­des sociais”. Para ele, o ministro “desvia o foco” ao falar da orientação sexual de alunos e professore­s.

Para a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) falta “responsabi­lidade” a Ribeiro, que carece de “gana” para lutar pelo orçamento da pasta e de “empatia” ao “propagar preconceit­o à comunidade LGBTQIA+”.

Planalto. Dentro do governo, a avaliação é de que Milton Ribeiro se sentiu pressionad­o pelas cobranças nas redes após encontro com deputados da oposição, Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES), e tentou fazer um aceno à base mais radical de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. A base bolsonaris­ta também se incomodou com visita do ministro à Fundação Lemann, que incentiva projetos na educação pública.

De acordo com um auxiliar do Planalto, o presidente avaliou que Ribeiro tem sido “ingênuo” e pediu para dar mais atenção às questões políticas.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO No MEC. Ribeiro foi cobrado a ‘assumir protagonis­mo’ e ‘enfrentar as desigualda­des’

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