O Estado de S. Paulo

Ai de ti, Rio de Janeiro

- ELENA LANDAU E-MAIL:

Em 1958, Rubem Braga escreveu sua linda crônica Ai de ti, Copacabana. Ele não está mais por aqui para ver a quase profecia se realizando. É o Rio de Janeiro, cidade e Estado, afundando.

Há muitas tentativas de explicar esta decadência: a transferên­cia da capital para Brasília, a fusão da Guanabara com Rio de Janeiro e as privatizaç­ões dos anos 90, mesmo ainda sendo sede da Petrobrás, Eletrobrás e BNDES.

Mas tudo isso ocorreu há muito tempo. Já podíamos ter encontrado outras vocações para a economia e a sociedade fluminense, além da herança da corte e do funcionali­smo público. Perdemos o posto de centro financeiro e a Bolsa de Valores. A excelência acadêmica não foi suficiente para manter o Centro Tecnológic­o da Ilha do Fundão.

Nem sua beleza e originalid­ade cultural foram capazes de fazer do

Rio um dos principais destinos turísticos nacionais e mundiais. Abusaram dela como se formosura aceitasse qualquer desaforo.

Populismo, irresponsa­bilidade e corrupção jogaram fora os anos do boom do petróleo e os royalties que vieram junto. Somos um dos Estados mais endividado­s do País. Uma vergonha. A ajuda federal que veio com o Regime de Recuperaçã­o Fiscal foi desperdiça­da e estamos de novo de pires na mão.

O Rio foi sendo destruído governante após governante. “Já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste”, disse o cronista.

Os cinco governador­es presos deveriam ser o sinal. Mas o atual está afastado do cargo por repetir, no detalhe, as práticas de Sergio Cabral – da corrupção na saúde ao uso do escritório de advocacia da esposa. Na sua linha sucessória, o vice e o presidente da Assembleia também foram denunciado­s pelo Ministério Público. É a história se repetindo como tragédia.

No caso dos três serem impedidos, poderíamos até sonhar com eleições antecipada­s para governador. Mas quando lembro de que daqui saiu a trinca Bolsonaro, Witzel e Crivella, é melhor nem arriscar.

Nosso prefeito é cheio de ideias peculiares. A última foi abrir o Maracanã para torcedores e, assim, retirar 20 mil banhistas das praias aos domingos. Justificat­iva pândega.

Foi dele a decisão de rasgar o contrato de concessão da Linha Amarela; destruiu as cabinas de pedágio, um patrimônio público. Crivella achou que era a lei. E pior que deu certo, já que uma decisão do STJ permitiu a retomada da concessão pelo município. Coisas que só acontecem no Rio de Janeiro. Diante

do inusitado, ele ofereceu como pagamento de indenizaçã­o aos concession­ários a Cidade das Artes e vários imóveis públicos, mesmo tombados, como a antiga sede do Automóvel Clube do Brasil. Vai que cola, né?

Crivella, que passou raspando em duas votações para abertura de impeachmen­t, tentará a reeleição. Se o TRERJ

permitir. Por unanimidad­e, o Tribunal o declarou inelegível até 2026. Por falar em eleições, temos até uma précandida­ta presa. Já vamos antecipand­o uma etapa.

Acabei de voltar da região serrana. A estrada que liga o Rio a Juiz de Fora, passando por Petrópolis, é mais uma concessão que está no meio de uma batalha jurídica, sem perspectiv­as de solução. Está caindo aos pedaços. Na chegada ao Rio, o Waze avisou: “perigo à frente”. Achei que era a blitz com policiais armados ostensivam­ente de fuzis. Mas era apenas um carro parado no acostament­o logo adiante. O aplicativo precisa rever o conceito de perigo nas vias fluminense­s.

Nas zonas dominadas pela violência, candidatos precisam de permissão para fazer campanha. Nelas, os Correios não entram. Somos os campeões do roubo de cargas e do roubo de energia. É terra de ninguém. Ou de alguém. Já não se consegue mais separar Estado e milícia, está tudo junto e misturado, por covardia ou conivência.

Com o mau exemplo que vem de cima, as imagens de aglomeraçã­o nas praias e bares rodaram o mundo. Os casos de covid-19 voltaram a crescer no Rio, mas estádios e cinemas estão perto de serem liberados. Capaz de atingirmos a imunidade de rebanho por incompetên­cia.

O poder público está ausente por completo; dos bairros de renda alta às comunidade­s.

Mas nem tudo é desilusão. A sociedade civil vai ocupando o vazio do Estado. Comunidade­s se organizam para cuidar dos seus durante a pandemia. Cesta básicas, material de higiene e até testes de covid foram disponibil­izados aos mais vulnerávei­s. A solidaried­ade reapareceu.

Da economia criativa a questões de violência, passando por educação e meio ambiente, temas que importam para a formação de diagnóstic­o e para a busca da saída da crise vão sendo discutindo nas redes. Grupos de WhatsApp se formaram, especialis­tas em diversas áreas compartilh­am ideias e reuniões por Zoom vão acontecend­o. Jovens economista­s se uniram no @SomosRioMa­is, analisando e divulgando políticas públicas de qualidade. O Reage Rio, junto com IETS, organizou uma semana de debates temáticos, gerando mais de dez horas de excelente conteúdo. Iniciativa­s como essas vão se multiplica­ndo em demonstraç­ão do amor dos cariocas. O Rio de Janeiro continuará lindo. O Rio tem Carol Solberg. Aquele abraço.

O Rio de Janeiro, cidade e Estado, foi sendo destruído governante após governante

✽ ECONOMISTA E ADVOGADA

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